quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Ai se sêsse!

Disseram uma vez ao cancioneiro Zé da Luz que as poesias de amor tinham que ser escritas com o máximo de cuidado com a língua portuguesa, que não se poderia escrever um verdadeiro poema de amor em linguagem coloquial, popular; foi então que ele saiu-se com esta, que acho uma das mais belas formas expressar um sentimento..

Segue:

Ai se sêsse!

Se um dia nóis se gostasse
Se um dia nóis se queresse
Se nóis dois se empareasse
Se juntim nóis dois vivesse
Se juntim nóis dois morasse
Se juntim nóis dois drumisse
Se juntim nóis dois morresse
Se pro céu nóis assubisse
Mas porém acontecesse de São Pedro não abrisse
a porta do céu e fosse te dizer qualquer tulice
E se eu me arriminasse
E tu cum eu insistisse pra que eu me arresolvesse
E a minha faca puxasse
E o bucho do céu furasse
Tarvês que nóis dois ficasse
Tarvês que nóis dois caísse
E o céu furado arriasse
E as virgi toda fugisse

O ‘jeitinho brasileiro’ de Eliana Tranchesi comove alguns jornalistas

Texto retirado do site da revista 'Carta Capital'. Muito bom:

O ‘jeitinho brasileiro’ de Eliana Tranchesi comove alguns jornalistas, por Fernando Vives.

Vamos aos fatos: a empresária Eliana Tranchesi foi julgada e condenada a 94 anos e meio de prisão por formação de quadrilha, fraude em importações e falsidade ideológica. Dona da Daslu, megaloja de artigos de luxo, Tranchesi foi denunciada através da Operação Narciso, da Polícia Federal, em 2005. Vivia em liberdade por força de um habeas corpus até morrer na semana passada, vítima de um câncer no pulmão.

Não duvido que Eliana Tranchesi possa ter sido boa amiga, boa mãe, enfim, uma pessoa com qualidades. O problema é que, no Brasil, eventualmente a morte absolve e o câncer beatifica. A extensão da ficha criminal de Tranchesi causaria esgares de sobrancelhas a bicheiros obscuros de vários arrabaldes brasileiros, que poderiam enxergar na ascensão da dona da Daslu um plano de carreira a ser seguido. Mas houve quem, na mídia, preferiu suavizar, digamos, o jeitinho brasileiro da empresária para lembrá-la como uma espécie de Midas da moda e do comércio de alto luxo no País – mesmo que essas conquistas tenham chegado através de golpes na Receita Federal, conforme ressaltam seus processos.

Primeiro foi a jornalista e consultora de moda Glória Kalil, uma espécie de Milton Neves da etiqueta nacional, que manifestou-se impunemente chamando Eliana Tranchesi de "uma das melhores comerciantes que este país já teve", assim, expandindo os horizontes do adjetivo "trambique". Prossegue Kalil: "Uma pessoa que (…) nunca parou de olhar para a frente e de se esforçar para dar o melhor atendimento à sua clientela e de cercá-la dos mais delicados carinhos mandando flores, bombons e presentes superpersonalizados em todos os dias das mães, dos namorados, Natais e aniversários, sempre embrulhados em muitas fitas e um bilhetinho carinhosos escrito de próprio punho". A consultora de moda não especificou se as tais fitas chegaram ao Brasil entre os pacotões contrabandeados pela Daslu.

O jornalista Guilherme Barros, da revista Istoé Dinheiro, divulgou uma carta de despedida de Tranchesi, ressaltando que nela a empresária manteve "o seu otimismo e seu espírito guerreiro, apesar de todo o sofrimento". O otimismo e o espírito guerreiro de quem burlou o fisco por anos seguidos, ressalta-se, embora a introdução do jornalista não traga qualquer menção a isso.

A informação da morte de Eliana Tranchesi parece ter mexido também com os neurônios do jornalista Boris "Gari" Casoy, encostado como âncora de um jornal na madrugada da tevê Bandeirantes. Em editorial alucinógeno, culpou Luiz Inácio Lula da Silva e o mensalão pela morte da empresária. "O governo Lula viu em Eliana um instrumento para tentar desviar as atenções da população sobre a roubalheira do mensalão. O comércio de luxo de Eliana foi o alvo perfeito. (…) O governo montou um enorme circo de polícia e imprensa num episódio triste de utilização da Polícia Federal", disse Boris, antes de encerrar a explanação com um espirro, valorizando o burlesco do editorial. Ao menos, justiça seja feita, Boris endossou a culpa da empresária em quase todas as acusações a ela indicadas.

Porém, o ápice do frenesi deu-se no blog da colunista social Hildegard Angel no portal R7. Sob o título "Réquiem para Eliana Tranchesi", a jornalista que se auto-intitula "uma das mais respeitadas do Rio de Janeiro" (foi bom ela avisar) expeliu a lógica ao cravar: "…pois não me venham com pedras na mão os patrulheiros falar em débitos com o fisco, pois é à Eliana que a Receita do Brasil (negrito dela) deve muito mais". E, fã, desanda a dizer como Tranchesi parou o que estava fazendo para recebê-la na Daslu, interrompendo sua rotina pesada. "Sei o que isso custa para uma pessoa realmente ocupada", suspira.

Hildegard Angel não parou por aí e resolveu justificar os crimes contra o fisco da dona da Daslu: "Eliana colecionou e disseminou pioneirismos no comércio do luxo e no comércio da moda, num país em que o emaranhado de leis e o labirinto burocrático travam, enclausuram, imobilizam, praticamente invializam qualquer voo diferenciado. Não estou com isso tentando justificar o injustificável: o drible de leis. Mas quem é do ramo sabe que é praticamente impossível para um empreendedor visionário e sonhador, que pensa longe e pensa grande, sair do lugar, crescer, se expandir, submetido a essa armadura brasileira chamada conjunto de leis fiscais e trabalhistas, que muitas vezes só funciona se bem azeitado com um combustível chamado ‘molhar-a-mão’…".

Ou seja, justificou, sim, o injustificável. E Hildegard ainda arremata: "Numa das suas poucas entrevistas sobre o assunto, Eliana reconheceu que cometeu o erro de vender luxo num país de agudas diferenças sociais…". Quer dizer… a culpa é do povão, confere?
Como disse o amigo jornalista Mauricio Savarese, a morte de Eliana Tranchesi serviu para explicitar quem faz jornalismo de fato dos que estão na profissão pelo deslumbre de fazer parte das rodinhas do high society. Parece ser mais fácil fazermos ricos criminosos pagarem por seus crimes na cadeia que extirparmos o jeitinho brasileiro da sociedade.


Leia esta reportagem no site da 'Carta Capital' clicando aqui.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Eu não consigo ser alegre o tempo inteiro - Wander Wildner

Após passar grande parte do findi ao som de 'Bidê ou Balde', 'Cachorro Grande', 'Ultramen' e 'Wander Wildner'; protagonistas do DVD Acústico MTV Bandas Gaúchas, posto essa letra desse grande compositor, baita instrumentista e afú vocalista desde os tempos d'Os Replicantes. Vai lá, curte aí:

Você sempre surge em minha mente
Sempre você e ninguém mais
É de você que eu me lembro
Sempre você e ninguém mais
E ninguém mais, e ninguém mais


Eu sempre tento e não consigo
Então as vezes quando a noite chega
Eu fico só comigo mesmo
E só me resta a saudade como companhia
Como companhia


Eu não consigo ser alegre
O tempo inteiro
Eu não consigo ser alegre
O tempo inteiro
Eu não consigo


Você sempre surge em minha mente
Sempre você e ninguém mais
É de você que eu me lembro
Sempre você e ninguém mais
E ninguém mais, e ninguém mais


Você diz que não me quer mais
E que agora eu sou seu grande amigo
Você me quer só a metade
Mas pra mim você está em toda a parte
Em toda a parte


Eu não consigo ser alegre
O tempo inteiro
Eu não consigo ser alegre
O tempo inteiro
Eu não consigo


Eu vo fazer o iê-iê-iê
Eu vo fazer o iê-iê-iê
Eu sou o rei do iê-iê-iê

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

A mãe do filósofo - por David Coimbra

Acabei de ler esse texto no Blog do David e fiquei impressionado com ele, ele o texto. Partilho com vocês, ó:
_

Arthur Schopenhauer tinha problemas com a mãe, e isso lhe marcou a vida para sempre. Já li alguma coisa dele e a respeito dele, mas talvez o que tenha gostado mais seja um volume que o meu amigo Guilherme, da Beco dos Livros, enviou-me dias atrás. Trata-se de uma alentada biografia escrita pelo alemão Rüdiger Safranski, um professor de Berlim. Nesse livro está reproduzido um extenso trecho de uma carta de Johanna, a mãe de Schopenhauer, para o filho, quando ele ainda era jovem e ainda não havia rompido com ela. A carta é famosa. Johanna faz uma crítica corrosiva ao filho e, ao mesmo tempo, lhe dá conselhos que poderiam ajudá-lo bastante, se os acatasse. A análise da mãe de Schopenhauer é tão arguta que serve para qualquer pessoa, em qualquer época, inclusive eu e você. Vou reproduzir abaixo um pedaço ácido de sabedoria e de franqueza:

"Tu não és um homem mau, não estás desprovido de inteligência, nem de educação, em suma, dispões de tudo que poderia fazer de ti um modelo e exemplo para a sociedade humana. Conheço muito bem os teus sentimentos e sei que existem poucos melhores do que tu, mas és também aborrecido e insuportável em outros sentidos e acho muito difícil conviver contigo. Todas as tuas boas qualidades são empanadas porque te julgas ‘esperto demais’ e essa arrogância não te serve para nada nesse mundo, simplesmente porque não podes controlar essa tua mania de querer saber mais do que os outros, de encontrar defeitos em toda parte, menos em ti mesmo, de querer controlar tudo e de te achar capaz de melhorar as pessoas com que te relacionas. Isso serve apenas para exasperar os que se acham ao redor de ti, ninguém está interessado em ser assim ensinado e melhorado de uma forma tão violenta, menos ainda por um indivíduo tão insignificante como ainda és; ninguém pode suportar uma censura vinda de alguém que ainda demonstra tantas fraquezas em seu caráter pessoal e muito menos pode gostar dessa tua maneira de criticar os outros em um tom oracular, definindo tudo à tua maneira, sem admitir a menor objeção. Se fosses menos instruído e inteligente do que és, serias simplesmente ridículo; mas, mesmo que reconheçam tuas qualidades, continuas extremamente irritante. Os seres humanos, em geral, não se portam com maldade quando não se sentem atacados".

Entre tantas verdades ditas por Johanna em sua carta, há duas que chamam mais a atenção:

1. Quando ela observa que o filho tem a tendência de ver e apontar os defeitos das outras pessoas.

2. É a frase que encerra o parágrafo: "Os seres humanos, em geral, não se portam com maldade quando não se sentem atacados".

As sentenças se completam. Uma decorre de outra. As pessoas se sentem atacadas quando surge alguém que tem o hábito de ver e apontar os seus defeitos e, sentindo-se atacadas, se portam com maldade e, portando-se com maldade, acabam demonstrando com ainda maior clareza os seus defeitos, que são apontados por quem tem o hábito de assim o fazer, e a coisa nunca mais cessa, para todo o sempre.

É muito difícil compreender esse ensinamento de madame Schopenhauer, apesar da sua simplicidade. Você pode ver as pessoas pelo lado bom ou pelo lado ruim. Isso depende de você, não das pessoas. Logo, o que é bom e o que é ruim não está nelas, mas em você, que as vê.

Pegue como exemplo alguns dos profissionais mais bem remunerados e com maior prestígio do Brasil: os técnicos de futebol. Como é que, ganhando 500, 600, 700 mil reais por mês, alguns deles se portam de forma tão ranzinza, agressiva e amarga? É porque eles não ouvem o elogio, ouvem a crítica. Deixam-se abalar pelo que existe de negativo, jamais se elevam pelo que há de positivo em sua atividade. São poucos os que aprendem. Celso Roth aprende. Vejo Celso Roth evoluindo a cada jogo e a cada entrevista. Prova de inteligência, que é mais importante do que conhecimento. Schopenhauer precisou criar um sistema filosófico para superar o desamor da mãe e, por fim, encontrar a paz. Celso Roth, como qualquer bom técnico de futebol, não precisará de tanto para encontrar a vitória.
_

Para ler o texto no blog do autor, clique aqui.