quinta-feira, 30 de junho de 2016

Sombra na janela

Mesmo em sonho eu reconheceria aquele sorriso; mesmo sem distinguir sua face, seu rosto nunca me seria estranho.

Ao nos aproximarmos tudo ficou mais nítido: boca, olhos, cabelos. Era ela que chegava muito mais perto; apenas nos tocamos as mãos e eu senti todo seu calor emanar pro meu corpo. No carro, sem destino, ríamos alto; algumas vezes trocávamos olhares, outras tantas desviávamos o olhar, tamanha era nossa falta de jeito um com o outro.

Um gramado isolado foi nosso fim: toalha no chão, nos acomodamos. De repente uma multidão de conhecidos chegou até nós. Conversando, falando alto, nos chamando pelo nome. Em poucos segundos nos vimos afastados um do outro. No meio de tantos olhos apenas o seu brilhava e procurava os olhos meus.

Mais uma vez nossos caminhos se distanciaram.

Me vi sentado, novamente, na solidão do meu quarto. O quê fazer então? A noite já ia alta, a rua estava vazia, a cidade silenciosa. Na casa dela a meia-luz de um dos vidros indicava que, tal como eu, ela não dormia. Nem precisei fazer sinal algum: a sombra que se fez por detrás da persiana indicou-me que a janela logo se abriria.

A imagem que vi no momento, até agora queima-me a pele, o coração, o espírito. Em sua mais simples e linda roupa de dormir eu pude vê-la em sua essência. Sua beleza natural, o brilho do seu sorriso, a cor dos seus olhos, o doce som da sua voz. Deslizando ao meu encontro ela veio e, num sensual salto, suas pernas encaixaram-se em meus quadris; seus braços em volta do meu pescoço fizeram-me sentir amado e seguro.

Rodamos e giramos e rimos e sentimos.

O beijo que aconteceu nem foi o ponto alto dessa nossa junção: o que coroou meu sonho foi sentir, ao final de tudo, seu rosto descansando no ombro meu.

quarta-feira, 29 de junho de 2016

Retrospectiva 2015 - Parte dois - David Gilmour - Lado A

Durante muito tempo venho tentando escrever sobre a segunda parte da retrospectiva de 2015. (A primeira parte está aqui ó:  Retrospectiva Foo Fighters) Todas que comecei não obtiveram sucesso, apenas algumas palavras soltas, uns lapsos sem fundamento algum... Difícil mesmo foi arrumar um ponto de partida. Algumas vezes comecei bem no início mesmo mas aí eram apenas lembranças da minha infância, uma música de fundo, eu no banco do carona no velho fusca de meu pai, um toca-fitas.. Outras iniciei nos meses que antecederam o fato principal, no entanto apenas divagava e tornava-se um texto repleto de lembranças importantes pra mim sem relevância para qualquer um dos leitores. Decidi-me então, por fim, iniciar aqui ó:

A primeira vez que pisei na Arena do Grêmio.

Mesmo sendo um fanático torcedor do Grêmio Porto-Alegrense por muitas vezes fui adiando a minha ida à nova casa tricolor. Falta de grana, de tempo, de oportunidades,, enfim, tudo que conspira pra que algo não aconteça. Entretanto as circunstâncias e o destino me provaram que algo muito maior estava por vir.

Mariana, Cris, Bona, eu na fila

Quando soube que o incrível show do - não menos - espetacular David Gilmour, ex-Pink Floyd - a banda da minha infância, da minha adolescência, a banda da minha vida - seria na Arena do meu time de coração, não titubeei. Eu estaria lá!!! Os momentos que antecederam a minha entrada no local do show são indescritíveis até hoje. Não consigo me lembrar muito bem, tamanho nervosismo tomava conta do meu ser. Assim que entrei fui arrebatado de um sentimento tão forte que não cabia em mim. E não bastava que fosse dentro de nossa casa: eu estava pisando o gramado, com o mesmo ponto de vista dos atletas para os quais sempre torci; brotaram-me lágrimas nos olhos pela primeira vez nesse dia. Continuo, mesmo passando-se meio ano do fato, sem conseguir descrever a emoção que senti naquele momento.


A entrada na Arena. Primeira vez no estádio. De gramado.

Emoção essa que, na hora, achei não ser possível sentir mais nenhuma vez na vida. Enganei-me redondamente por algumas poucas horas. Assim que entramos - minha irmã, o Bona, o Cris e eu - ficamos loucos já de cara. Eu via em cada olhar dos que me acompanhavam o brilho, a alegria, a expectativa, a incredulidade do que estava por vir. Olhar esse refletido em todos os que se juntavam para curtir o mesmo espetáculo. Eram jovens, adultos, velhos, homens, mulheres, roqueiros, hippies, punks, motoqueiros, almofadinhas, todas as tribos ali estavam reunidas e eram uma só. Chegavam aos poucos mas via-se que logo éramos muitos.

Baita foto que a Cassi fez das cadeiras

Enquanto aguardávamos a noite cair e a hora se aproximar, tocava ao fundo como abertura do show principal Duca Leindecker, famoso artista gaúcho, ex-Cidadão Quem e parceiro de Humberto Gessinger no Pouca Vogal; escrevi ao fundo pois não consegui prestar atenção ao que me rodeava, tudo me interessava e tudo me desviava; só tinha foco no motivo primeiro da noite.

Pisando o tapete da Arena

E ele chegou.

Copo do show e, ao fundo, Mr. Screen - o telão circular típico do Pink Floyd

Retrospectiva 2015 - Parte dois - David Gilmour - Lado B

A galera se reunindo momentos antes do feito histórico

A hora chegou.

As luzes apagadas, lentamente se acendendo, o volume progressivamente aumentando, cinco minutos para as 21:00 do dia 16 de dezembro de 2015 e o deus do rock David Gilmour fez-se presente em carne, osso, voz, guitarra e alma.

Em uníssono gritamos, choramos, rimos, ovacionamos. Milagres existem. Os deuses são feitos da mesma matéria que nós, respiram nosso mesmo ar, suam e, alguns, cantam como ninguém. Iniciou-se então a noite mágica e ímpar com 3 músicas do último álbum solo de David, Rattle that Lock - 5 a.m.; Rattle that Lock; Faces of stone - que, apesar de não muito conhecidas deram o tom do restante que estava por vir. Emendando nessas veio aquele momento do mantra, da hipnose, do solo tocado junto, do coro geral, de uma das mais esperadas: Wish you were here! Cara!! era uma só voz ao redor, quando cantávamos nos ouvíamos e sentíamos a presença de Gilmour junto de nós. Todos os anos, todas as vezes que ouvi, todas as lembranças que a música trouxe estavam comigo naquele momento. 

A única foto que tirei durante o show. Pô,, eu tinha mais o que fazer, não é?

Vieram mais algumas músicas de seus discos solo: Rattle.. e On a Island. Mas a empolgação retornou com os primeiros acordes de Money, seguida de Us and then, dois sons do magnífico e melhor álbum do Pink - The dark side of the moon. Sensacional!! Já estávamos todos conectados numa só vibração então veio In any tongue e após a clássica High Hopes, do álbum do Floyd, The division bell (esse já sem Roger Waters), no entanto não menos longe da história da banda. O refrão inundou completamente a Arena fazendo arrepiar todos os corpos que ali estavam presentes. Terminava assim o primeiro ato do espetáculo.

Uma pequena pausa para recuperar energias. Tá bom meu pé, mana??

No início da segunda parte o telão - carinhosamente chamado de Mr. Screen - com suas imagens em alta definição nos trouxe Astronomy Domine, do primeiro álbum da banda (sem Gilmour ainda) The Piper at the Gates of Dawn de 1967(!!). Formou-se um caleidoscópio gigante e psicodélico, trazendo a tona todo momento que envolveu a banda do final dos anos 60 e que segui-se como linha durante toda sua história. A homenagem então dos Floyd a seu primeiro 'cabeça' Syd Barrett foi aclamada com Shine on you crazy diamond; a sua progressiva levada e seu refrão inesquecível ensurdeceram o mundo em volta. Ensurdeceu assim como quase nos cegou o sol gigante projetado no circular telão trouxendo-nos Fat old sun, seguida daquela que - particularmente - eu mais esperava e não sabia se ele incluiria no setlist: Coming back to life. Som esse que assisti milhares de vezes no dvd P.U.L.S.E. de 1995 e que deu sentido a minha vida.

Ali sim, eu presenciava a história passando na frente dos meus olhos e entrando pelos meus ouvidos.

Como um momento para um pequeno relax, Gilmour nos trouxe The girl in the yellow dress, um jazz autoral e executado com extrema habilidade. Logo nos trouxe de volta ao passado com Sorrow, do Momentary lapse of reason, preparando-nos para o final da segunda parte do show, onde todas as luzes: do palco, do telão e em volta dele estavam ligadas. Isso fez com que os músicos - incluindo David - colocassem óculos escuros tamanho brilho pulsava do palco com a excepcional e pesadíssima Run like hell. Não foi apenas uma incursão visual e sonora, foi um sentimento inexplicavelmente... palpável.

A hora do fim se aproximava. E parecia que as horas tinham levado segundos para correr.

Com um simples 'obrigado', Gilmour apresentou a banda e pronunciou mais algumas frases de agradecimento. Ninguém se movia do lugar, hipnotizado pela presença de uma figura histórica falando diretamente aos nossos ouvidos. O final então veio com a ímpar Time. Música de muita história e de grande presença em qualquer álbum das melhores músicas do mundo. O trecho de Breathe emendado em Time quase nos deixou sem ar - lembrando-nos na própria letra que devíamos 'respirar, respirar o ar'-, preparando-nos para o que seria a derradeira música da noite.

Aos primeiros acordes o tempo pareceu parar. Muitos choravam. Alguns se abraçavam. Todos gritavam.

Comfortably Numb

Talvez a música mais perfeita já feita até hoje, executada pelo mestre da guitarra frente a nossos olhos. O vocal que, mesmo calejado do tempo, continua inigualável. Os dedos correndo pelas cordas continuam ágeis e sincronizados como a primeira vez que tocaram. Em uma união nunca antes experimentada por mim éramos milhões de vozes e almas completamente entorpecidas.

Demorei pra me mover de onde estava. As luzes do palco se apagaram e da Arena se acenderam. Não sabia o que estava acontecendo ao redor. Não sei até hoje e nem sei se um dia conseguirei explicar. Foi o ponto alto de uma existência. Poucas coisas na vida acho que fariam me sentir como me senti. A noite acabou, mas o arrepio continua a cada lembrança, a cada música ouvida, a cada simples menção de qualquer elemento ligado àquele dia.

Pensem em duas crianças realizadas, antes, durante e depois do espetáculo.
Bona e eu. 

Hoje tenho gravado na pele aquilo que nunca quero esquecer. Aquilo que nunca vou me arrepender. Aquilo que me fez o cara mais feliz do mundo em apenas duas horas, por uma vida inteira.

A primeira tattoo não poderia ser outra: The Wall e The Dark Side of the Moon.
Pink Floyd gravado pra sempre

terça-feira, 28 de junho de 2016

terça-feira, 21 de junho de 2016

Um que nunca serão dois


Nas histórias que imaginei estávamos lado a lado; eu sempre a te acalentar com uma palavra reconfortante, sorrindo quando choravas e rindo quando tu rias; nestas, outras tantas histórias paralelas aconteciam, ao mesmo tempo, em nossa volta. Entretanto, em meus sonhos, ahh, nesses não haviam outros sonhos; não bastava que andássemos um ao lado do outro, não; estávamos juntos, unidos, corpo com corpo, beijos e abraços, pernas e braços, cabelos-pele-suores-lágrimas. Era ferocidade, selvageria, apenas instinto. Apertos, marcas, força, prazer, dor, raiva, alegria, calafrios, amor. Um dentro do outro tentando ficar e partir; até que todos nossos fluídos se misturassem pelos cômodos da casa, até que, rendidos e sem forças, nos entregávamos enfraquecidos ao colo do outro. Éramos um. Apenas um. E este um nunca mais soube ser os dois que eu criava em minhas histórias, quando acordado.

quarta-feira, 8 de junho de 2016

Cicatriz

Eu tenho uma cicatriz logo acima da sobrancelha esquerda. A cada vez que me olho no espelho lembro de uma manhã, no colégio, em que corria irresponsavelmente pelos corredores úmidos e acabei por escorregar, machucando-me seriamente. Nunca mais procedi da mesma forma.

Tenho outra cicatriz que adquiri quando tinha apenas 1 ano de idade. Não lembro do que aconteceu - nem teria como - mas a marca está lá, no meio de meus ralos cabelos, não me deixando esquecer de ter muito cuidado perto de um felino qualquer.

Tenho mais uma, de - talvez - grande extensão no meu joelho direito. Essa adquirida já na adolescência, que me grita a cada passo dado de ter menos ímpeto nos jogos que disputo.

Outras tantas eu trago no corpo: nas mãos - de descuidos com facas; abaixo do olho, pequeníssima - não jogar pedras na vidraça vizinha!!; na perna - sempre olhar onde pisa; e tantas outras mais ou menos relevantes.

Falo delas, hoje, pois nunca me importei com a parte estética da coisa toda. Não diria para alguém esconder ou mostrar as suas, vai de cada um. Mas sei o que cada uma das minhas significam, cada ensinamento que elas me trouxeram. Os machucados fazem parte da nossa existência e do nosso crescimento. Aprenderemos com eles ou nos machucaremos novamente. Faz parte.

No entanto trago também, em mim, machucados não visíveis. Alguns cicatrizados, outros que insistem não curar.

Esses últimos doem, dia após dia, pois não há história para lembrar. Apenas o vazio, o sofrer, o sangrar. É apenas o hoje, lacerando a alma, o corpo, o coração. Que venha o tempo e cicatrize as feridas. Só assim para que não repita os mesmos erros que cometi.

segunda-feira, 6 de junho de 2016

inConsciente

E novamente te contaria meus sonhos dessa noite. E seriam as mesmas palavras que usaria. Repito tudo. Não sei descrever de outras formas. Talvez já tenha usado todas palavras que conheço: verbos, advérbios, adjetivos,substantivos. Não sei nada além do que uso. E, mesmo sendo o único sorriso que aparece, todas as noites são diferentes. Mesmo beijo, diferente sabor. Mesmo olhar, diferente calor. Ao te tomar em meus braços regozijo-me em total alegria. Nada mais em volta parece importar. Mas não tenho, ao acordar, essa mesma felicidade. Arrasto-me dia após dia no desejo de, mais uma vez, encontrá-la. E não dizer todas as palavras que ensaiei. Deixar que pareça um idiota, com o rosto corado e as frases incompletas. No bolso, pedaços de versos amassados, cantos de jornais rasgados, guardanapos borrados com uma caneta qualquer. Permito-me apenas em sonhos. Esses mesmos que não consigo controlar, que mostram-me a vontade, bem guardada, de tudo que queria viver.