quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Saudades - Florbela Espanca

Saudades! Sim.. talvez.. e por que não?...
Se o sonho foi tão alto e forte
Que pensara vê-lo até à morte
Deslumbrar-me de luz o coração!

Esquecer! Para quê?... Ah, como é vão!
Que tudo isso, Amor, nos não importe.
Se ele deixou beleza que conforte
Deve-nos ser sagrado como o pão.

Quantas vezes, Amor, já te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar
Mais decididamente me lembrar de ti!

E quem dera que fosse sempre assim:
Quanto menos quisesse recordar
Mais saudade andasse presa a mim!

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Crônica de um aniversário de criança

(Imagem meramente ilustrativa)

Sentado em um bar, ontem à noite, lembrei-me das festinhas de aniversário que frequentava quando criança. Isso lá nos anos 80 começo dos 90.

Acho que era diferente dessas festas de criança de hoje em dia, pois muito mudou de lá para cá. Íamos todos os amigos e colegas do aniversariante na casa dele para comemorar o seu dia. Antes do Parabéns prá você nos comportávamo - cada mãe arrumava seu filho da melhor maneira possível - então tínhamos que nos manter impecáveis para a hora do parabéns em volta da mesa e a tradicional foto com todos reunidos.

Naquele tempo não havia essa maravilha - meio duvidosa - que é a câmera digital, o que existia era uma máquina de filme com 12, 24 ou no máximo 36 poses. E era isso mesmo POSES. Não se tirava fotos individuais, tu tinha que estar com algum amigo ou em volta dos enfeites, porque não se poderia apagar as fotos na máquina, ah, não senhor! E eram caras. Por isso, como falei, antes dos parabéns a você ninguém poderia suar ou se sujar correndo e brincando nos pátios, para poder sair bem na foto.

Pois bem, lembrei também da mesa preparada com os doces, salgados e bebidas que ficava em frente a um fundo decorativo - isso deve existir ainda hoje em dia - e tudo ficava em cima da mesa. Repito: tu-do. Tudo mesmo. A mesa ficava forrada de cachorros-quentes, pastéizinhos, brigadeiros (conhecidos outrora por 'negrinhos'), olho-de-sogra, gelatinas nos copinhos e o bolo, lógico. Geralmente quem preparava tudo era a própria mãe do anfitrião, apenas o bolo era comprado na padaria - que hoje chama-se confeitaria. Para beber era servido a incomparável 'laranjinha' e aí que fica a referência do que me levou a pensar nas festinhas ontem à noite.

A laranjinha era um refrigerante que vinha numa garrafinha de, sei lá 150, 180 mls. Ela tinha o mesmo formato e cor das garrafas de cerveja de hoje. Dentro vinha um líquido doce, doce, mas doce, de laranja. Nós, crianças, tomávamos horrores disso aí. Era o que tinha, mas era muito bom. Antes dos parabéns ninguém tomava laranjinha, o perigo de algum de nós derrubar o suco na roupa era gigantesco. Entretanto depois de toda a formalidade atacávamos a mesa e a festa realmente começava.

Corríamos para cima e para baixo na casa, no pátio, na calçada, por todo lugar e, comumente, nos sujávamos muito e... Mas divago, outra hora escrevo mais detalhes disso.

O que quero contar é que o aniversariante geralmente tinha algum primo ou prima desconhecidos do resto dos convidados. Denominávamos eles 'de fora'. "Fulano, quem são aqueles dois guris ali no canto da mesa? Ah, esses são 'de fora'."

Pois bem, certa feita numa festa de uma vizinha havia dois primos da aniversariante. Um guri uns dois anos mais velho que o resto de nós e uma guria que era da mesma idade, talvez um ano mais nova que eu. Eles eram de fora. De uma cidade maior que a nossa, vinham da cidade grande, talvez Cruz Alta, ou Curitibanos, quem sabe do Paraná. E eles não se misturavam com os outros convidados. E a gente também não dava muita abertura, éramos crianças e, como tais, ciumentos com tudo. Foi quando o guri, que era um pouco mais velho que a gente, parou do meu lado, perto da mesa das guloseimas e pediu:

 '- Tiaaaa, quero um REFRI!'

Maldito seja esse pessoal da cidade grande!! Ora, refri. Laranjinha, LARANJINHA, LA-RAN-JI-NHA!!
Simples.
Esse cara tá se achando!

Chamei alguns amigos, contei o que se passou e já planejamos que na primeira oportunidade passaríamos uma 'tranca' nele. Seguiu-se a festa e eu só cuidando o mauricinho de nariz empinado. Fiquei com tanta raiva da superioridade dele que me esqueci de tudo a volta. Estava com um pastel meio mordido em uma das mãos e na outra estava a laranjinha com um canudinho. Ora mordia um ora sorvia um gole doutro, sem tirar os olhos do maldito-seja. Nisto vi um vulto se aproximando e desde o outro lado do pátio veio a guria, caminhando em minha direção.

O cabelo com duas maria-chiquinhas, vestidinho colorido, sandalinha nos pés e meia branca: linda! Travei. Ela parou próximo a mim e largou: '- Oi. Tu me dá um gole do teu refrÍ?' Assim mesmo, com I maiúsculo e acento. Quase desmaiei. Estendi o braço com o refri, ela colocou a mão na minha e sem tirar os olhos do canudinho tomou um gole. Me agradeceu e se foi saltitando pelo pátio.

Dois amigos, que não tinham visto o acontecido, pararam logo em seguida ao meu lado e começaram a falar que 'agora era a hora de derrubar o guri', 'um vai por um  lado e outro pelo outro', 'vamosvamosvamos'. Ainda com um pedaço do pastel na mão, tomei o último gole do REFRI, olhei para o guri - correndo no gramado, olhei para a guria - balançando os pezinhos num pequeno balanço e, suspirando, disse: '- Deixa ele, ele é de fora.'

Então ontem, escorado no balcão do bar vi a moça que atende se aproximando, lembrou-me da guria - não sei se foram os olhos, o sorriso, o jeitinho ou qualquer outra coisa -, ela me perguntou 'O que vai beber?' Sem pestanejar respondi: 'Uma laranjinha'. Ela surpreendeu-se e perguntou se queria um suco de laranja. Eu ri, meio sem jeito e disse que poderia ser um refri.

Realmente muito mudou de lá para cá.
 

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Conto sobre palavras

Houve um dia em que perdi meu vocabulário. É sério, não ria. Não sei se foi por ter lido muito pouco nos dias anteriores; não sei se foi falta de atenção; ou puro e simples esquecimento. Não sei. O que sei é que as palavras morreram na minha garganta e travaram nos meus dedos. Comecei a pronunciar apenas frases feitas. Escrevi poemas que já havia declamado. Resenhei uma crônica que já havia sido publicada. Imitei canções já musicadas. Acometeu-me um desespero nunca antes sentido. Achei que havia desaprendido tudo que tinha absorvido durante muitos anos. Senti-me impotente; meus olhos arregalados, a mão tremente, coração acelerado e um pingo de suor demonstravam meu nervosismo. Justo comigo que havia afundado o olhar em livros. Justo comigo que varava noites lendo os grandes da literatura. Por quê aconteceu comigo que sabia tantos poemas, tantas letras de música, tantos diálogos de filmes? Engasgado, faltando-me o ar, abri a porta de casa e disparei sem rumo pela cidade. Olhava para tudo e para todos, sem controle das pernas e do destino corri até que meu corpo não aguentou mais. Sentei-me, então, em uma praça que não havia visitado antes, exausto com a cabeça apoiada nas mãos permaneci. Longo tempo fiquei. Uma mão então tocou meu ombro e, assustado, olhei para o lado. Uma senhora, de olhar doce perguntava o que havia acontecido comigo. Tentei explicar calmamente, no entanto eu não entendia o que estava falando. Decidi apenas ouvir. E me acalmei. Com o mesmo olhar que ela me acolheu no primeiro momento foi com o que se despediu minutos depois. De onde estava levantei-me e continuei caminhando por muitas ruas estranhas ao meu olhar. Um florista arrumando vasos de rosas em uma calçada parou-me com um simples gesto; sem mesmo eu perguntar ele começou a me falar de como preparava a terra, as mudas, o cultivo, o preparo, a colheita e todas as fases de preparo de um lindo buquê. Ao deixá-lo, o senhor entregou-me um botão de rosa e um sorriso, os dois levei comigo descendo a ladeira que me levava a um lugar qualquer. À soleira de uma porta havia uma moça com um livro em suas mãos. O livro era gasto, as páginas voariam se ela não as mantivesse em constante segurança, entretanto o livro era novo pra mim. Com um mero movimento de cabeça a moça convidou-me a sentar ao lado dela; então, um brilho diferente nos olhos apareceu e ela começou a contar passagens do livro. Compenetrada, pareceu-me que ela própria era protagonista da história. Por horas permaneci ouvindo aquela leve narrativa a qual me fez viajar junto dela. Em momento algum pronunciei qualquer palavra. Nem mesmo quando uma trupe de teatro mambembe parou junto à calçada. Malabaristas, palhaços e acrobatas acompanhados de um trio de música extravasavam alegria junto às pessoas. Sentados ficamos olhando aquela das mais antigas formas de entretenimento. Quando eles se foram e eu levantei-me da escadinha, a moça estendeu-me o livro e disse para que ficasse com ele. Tomando o livro em uma das mãos e com a outra entregando o botão de rosa segui caminho para casa, não sem antes visualizar a rosa próxima ao rosto risonho da moça do livro. Sem mesmo lembrar-me do caminho cheguei ao meu quarto. Antes de cair no sono li vários capítulos do livro. Uma linguagem diferente, uma história nem parecida com as que tinha costume de ler e os sonhos vieram. Sonhei com o desespero que havia tido no dia; lembrei-me da senhora e sua voz experiente e doce; encontrei o florista de voz paciente e serena; vi novamente a moça e sua narrativa encantada e bela; me diverti novamente com o teatro e toda alegria e felicidade que me passaram. Quando acordei, meu vocabulário antigo tinha retornado; mas as palavras que passei a usar eram novas. Foi quando percebi realmente que o que precisava era ter ouvido mais o mundo ao meu redor, ter sentido o calor e a bondade do ser humano mas, principalmente, aprendi que deveria ter dado chance a novos livros, histórias e pessoas.        

Simples

Eu poderia escrever sobre a saudade que eu sinto. Ou sobre a falta de você. Quem sabe remoer sentimentos e lembranças. Talvez sobre o tempo que não passa e não ajuda em nada.

Mas não.

Vou falar do tempo que passamos juntos, lembra?

Andamos juntos pelas ruas, rindo das coisas mais banais. Ficamos por horas deitados um ao lado do outro apenas olhando para o teto e falando alguma bobagem. Lembramos de coisas do passado - coisas engraçadas demais; falamos de alguns amores que foram e de outros que nem amores foram.

Gostou do novo filme daquele diretor? E o que foi melhor: os primeiros discos ou esses últimos que a banda lançou? Tem lido algo ultimamente?

Pequenas coisas, simples cotidiano. E me alegraram. E ainda me alegram só de pensar.

Falemos de futuro? Não há necessidade. Os caminhos estão traçados. Em algum momento tua rua fará esquina com a minha. E será do mesmo jeito: sem problemas, sem preocupações. Apenas vivendo juntos o minuto seguinte novamente.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Não me peça

disseste-me
e por todo meu rosto
te entendi

olhos, nariz,
ouvidos,
boca

minha mente também
te ouviu
e aceitou

não meu coração.
maldito traidor
pulsa, pulsa

leva sangue quente
traz teu gosto à boca
ouve tua voz

sente teu cheiro
tudo te lembra
e te vejo

e te desejo
e suplico-te
não me impeça

não me peça
para não sentir
para não querer

pois te quero
mas não te digo
e tu sabes

e, sabendo,
deixe-me sonhar.
bem lá no fundo: te entendi.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Não: não digas nada - Secos & Molhados

Poema de Fernando Pessoa musicado pelos Secos & Molhados
Não: não digas nada
Supor o que dirá
A tua boca velada
É ouvi-lo já
É ouvi-lo melhor
Do que o dirias
O que és não vem à flor
Das frases e dos dias
És melhor do que tu
Não digas nada, sê
Graça no corpo nu
Que invisível se vê
Não: não digas nada
Não: não digas nada

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015