segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Soneto 23 - Willian Shakespeare

Como no palco o ator que é imperfeito
Faz mal o seu papel só por temor,
Ou quem, por ter repleto de ódio o peito
Vê o coração quebrar-se num tremor,

Em mim, por timidez, fica omitido
O rito mais solene da paixão;
E o meu amor eu vejo enfraquecido,
Vergado pela própria dimensão.

Seja meu livro então minha eloqüência,
Arauto mudo do que diz meu peito,
Que implora amor e busca recompensa

Mais que a língua que mais o tenha feito.
Saiba ler o que escreve o amor calado:
Ouvir com os olhos é do amor o fado.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

olhar


sem palavras

Qual surpresa não foi quando, não mais que de repente, apareceste. Eu que havia visto apenas algumas imagens; umas frases desconexas e poucas palavras trocadas. Nem tua voz eu tinha. Tanto foi que de começo houve um diálogo. Eu falava, tu respondias. Não entendia som algum. Talvez nada deveria ser dito. Estávamos em uma casa estranha para mim. Mas nossos olhares não eram nenhum pouco estranhos um ao outro. Havia outras pessoas ao redor, mas nenhuma importava. Pegaste então na minha mão e levaste-me porta adentro. Encostamos ela e nem as luzes conseguimos apagar.
Eu te segurei. Tuas mãos se enredaram pelo meu pescoço e puxaram-me para perto. A boca sedenta. A língua tímida e ágil. Teu corpo todo eriçado; os bicos quentes de teus seios roçaram meu peito. Teu cheiro!! Ah, esse entrou pelas minhas narinas entorpecendo-me. Não havia medo algum. Nenhuma dúvida. Sabíamos exatamente o que fazer. Minhas mãos enredaram teus cabelos, roçaram teu rosto. Deslizaram pelas tuas costas e tua coxa. Com as duas mãos agarrei os lados do teu corpo, enlacei sua cintura e a levantei.
Deitados então nos contorcíamos; lentamente suspirando. Tuas pernas prenderam meu corpo no teu; tuas costas arquejaram; tuas mãos quentes me agarraram pelos ombros, pelos braços, me puxando pela cintura. 
Montaste então em meu corpo com movimentos frenéticos. Teu cabelo arrastando-se por toda minha pele. Joga então a cabeça para trás, trêmula e vibrante, e grita um som que não ouço. Com as unhas cravadas nos meus músculos continua proferindo palavras que não entendo. Mais alto. Mais baixo. Suspira. Meu coração dispara. Agarrando-a pelos quadris invertemos o mundo. Nosso ritmo era música. Como a chuva no telhado; como o vai e vem das ondas, como o som do trovão de um raio que acende o céu. 
E tudo para. Todo meu corpo se arqueia. Teu riso. Última cena que vi antes de acordar. 

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Tamanha loucura

Eu vi muitos que a cortejavam. E tantos quantos tentaram, tantos foram repelidos por ela. Tudo acontecia em cinco etapas: a admiração que ela causava neles; a paixão arrebatadora que tomava conta dos homens; a desilusão e loucura dos mesmos; a rejeição dela e o fim dramático. Senti apenas o primeiro. Aliás, ainda sinto. A paixão eu sutilmente declarei. Não consegui dar os outros passos. Talvez devesse ser mais ousado. Ela me olha diferente algumas vezes; fala frases que não sei ao certo como interpretar; quando nos encontramos vejo os olhos dela brilharem e, no abraço, sinto o seu coração batendo um pouco mais forte. Não ousaria mais do que isso. Sinto. E sei que é forte e verdadeiro. Entretanto o medo de definhar, como vi tantos outros que vieram e se foram, é muito forte também. Deveria falar! Sim, deveria. No entanto em vez de me arriscar a dizer algo errado, não falarei nada. Sei bem o que acontece com os homens que se agarram demais a ela. Eu nunca tentei possuí-la, não cochichei em seu ouvido nem beijei seu rosto quando desprevenida. Ainda lembro - claro! - do calor do corpo dela quando jogou seus braços no meu abraço; mas lembro também do rosto daqueles que percebiam quando ela os estava deixando. Vou deixar que tudo continue como está. Eu sei - e ela sabe também - que pode voltar quando quiser. Para meus olhos, meus ouvidos, minhas palavras e para os meus braços. Sem perguntas, sem medo, sem discriminação. Haverá, certamente, uma parte que sempre esperará algo mais, essa parte louca, tola e idiota que habita em mim.

terça-feira, 1 de novembro de 2016

Companhia

Eu subia caminhando, a passos lentos, uma ladeira. Ao chegar no topo divisei um portão; um jardim; uma casinha; uma janela. Apesar da chuva, via através do vidro que tu estavas debruçada sobre um livro qualquer. De parado que eu estava até tomar a decisão de aproximar-me, passaram-se poucos segundos. A água escorria pelo meu corpo enquanto eu pulava a cerca que nos separava -nada disso importava ;
poucos passos adiante e a poucos metros de ti estaquei. A visão que tive nunca mais sairá da minha cabeça. Estavas alheia a qualquer coisa que pudesse estar acontecendo naquele momento - e não queria de forma alguma tirá-la de tal devaneio. Eu contemplava a cena como observasse uma pintura e ali permaneci. Por horas e horas e horas. Pessoas chegavam, pessoas passavam, pessoas falavam, pessoas partiam. Não saberia dizer quem eram nem o que diziam, minha atenção estava voltada apenas para o que fazias. E apenas estavas. Com o mesmo livro na mão, um lápis a dançar em teus dedos e despreocupação em toda tua volta. A noite caiu e a manhã chegou. Com passos vagarosos fui me afastando; a cerca parecia, para mim, muito mais alta agora. No momento que desviei o olhar, uma mensagem recebi. As lágrimas que brotaram ficaram invisíveis em meio as gotas da chuva que insistiam em cair. A mensagem recebida dizia apenas assim:
'Te soube o tempo inteiro. Não ousei te chamar. Obrigado pela companhia neste dia. Um beijo. Volte amanhã'.