quarta-feira, 30 de março de 2016

Sem inspiração

Seguidamente perguntam-me se continuarei a escrever aqui, ao que - invariavelmente - respondo que sim. Entretanto há momentos de mais e de menos inspiração. Este pelo qual passo agora está bloqueando um pouco minha criatividade. A cabeça anda vazia, serena, com alguns pequenos conflitos internos tentando se resolver por si só. Talvez surjam novas histórias, novos sonhos, ou apenas os mesmos de outrora. Aguardemos então o que está por vir.

segunda-feira, 21 de março de 2016

luz dos olhos dela


o silêncio

me acostumei com o silêncio
em mim
na minha casa
ao meu redor
não me importo
ando com passos firmes
bato uma porta
abro uma janela
ouço um disco
leio um livro
tantas histórias conhecidas
mundos a descobrir
almas descobertas
paisagens estranhas
converso comigo
faço planos
planejo destinos
imagino encontros
rio sozinho
gargalho alto
tremo todo
basta esticar a mão
a chuva abraça
límpida
fria
um renascimento
o sol cega os olhos
mas abre o peito
e deixo-me
e permito-me
que não ouça
os ruídos da rua
algumas vozes
gritos
e fico comigo
no silêncio
em mim
na minha casa
ao meu redor

liberdade

voar
nos permite admirar
as paisagens
o mundo
as possibilidades
tudo aquilo que é
infinito

sexta-feira, 18 de março de 2016

vermelho, branco e rosa

eu via seus lábios
um batom vermelho
assim como seus olhos
vermelhos também
de longe eu via:
seu rosto,
a blusa branca,
a saia rosada,
os pés descalços
não ousei me aproximar
do outro lado da sala
onde estava, fiquei
um segundo nos olhamos
meio riso apareceu
nos brancos dentes da moça
levantei-me
ela veio em minha direção
segurei-a pelo braço
ainda havia tristeza
não perguntei o que era
meu olho no seu bastou
sem palavras a acolhi
um beijo tudo resolveu
nos braços dela
encontrei amor
no meu abraço
a paz ela encontrou

sexta-feira, 4 de março de 2016

para ela

então meus sonhos
     nesta última noite
foram diferentes
     de todos outros
e sei também a razão
   
foi porque ela
     de alguma maneira mudou
parecendo mais linda
     e mais bela
     à luz dos olhos meus

terça-feira, 1 de março de 2016

sobre Cláudia

Há quatro anos conheci uma garota. Conheci é apenas modo de dizer. Há quatro anos que a vi pela primeira vez. Foi quando nos encontramos na entrada do meu prédio. Percebi sua dificuldade em segurar o portão de entrada com três caixas grandes em volta dela: boa tarde; boa tarde, posso ajudá-la?; claro, obrigada. Ela era a pessoa mais linda que eu jamais havia visto e sua voz, motivo dessa lembrança, soou como música aos meus ouvidos e também foi a ruína do meu coração.

Eu morava sozinho num condomínio de prédios iguais entre si, com pequenos apartamentos constituídos de sala/cozinha, um banheiro, um quarto e uma pequena área de serviço. Trabalhava todo o dia no centro da cidade e, à noite em casa, gastava meu tempo com meus livros, discos e cozinhando apenas pra mim. Nada fora da rotina acontecia, talvez uma noite me demorasse num balcão de bar, talvez outra entrava em uma sala qualquer de cinema. Até que a moça no portão fizesse meu mundo de pernas pro ar.

No nosso primeiro encontro ajudei Cláudia - era esse o nome dela - a carregar duas de suas caixas para dentro do prédio. Acompanhei-a e chegamos ao quarto e último andar onde ficava o meu apartamento. Para surpresa dela, sua porta era ao lado da minha. Falou-me que havia mudado a dois dias e que essas eram as últimas coisas que traria para o novo lar. Deixei as caixas aos seus pés e nos despedimos - tchau, até mais - ali mesmo.

Cláudia também era uma solitária. Eu a encontrava eventualmente no portão do prédio ou no corredor do nosso andar. Cozinhava para si ouvindo música. Tocava mpb, jazz, música clássica, erudita, todos os tipos, entretanto o mais recorrente era o bom e velho rock & roll. Eu, não muito acostumado com televisão, desligava tudo que poderia atrapalhar o momento e compartilhava com ela esses instantes. Sentia, também, o aroma que provinha de sua cozinha: manjericão, açafrão, alecrim; comidas chinesas, mexicanas, molhos, tortas e bolos. Sentia tudo isso de dentro do meu pequeno apartamento.

Curioso que quase nunca nos falávamos. Havia apenas um momento no mês em que trocávamos algumas palavras: o entregador da conta da luz deixava sempre, por descuido, a conta de Cláudia dentro da minha caixinha. Enquanto subia as escadarias, folheando as correspondências, separava a da moça e deixava por debaixo de sua porta ou, no caso de a encontrar no caminho, entregava pessoalmente. Ela sempre sorria, desculpava-se pelo transtorno e me agradecia.

Por quatro anos foi assim. Tudo que eu soube foi o que eu imaginei. Nem uma vez sequer trocamos informações pessoais ou tivemos alguma conversa mais profunda. Apesar de contar os minutos para chegar a minha rua e, num lance de sorte, encontrá-la, jamais falei isso para Cláudia.

Certa noite demorei-me numa livraria próxima ao meu trabalho, ao entrar no prédio já sentia o maravilhoso cheiro de ervas finas que dominava o ambiente. Sem dúvida alguma eu sabia que provinha do apartamento da minha vizinha. Lentamente atravessei o corredor e demorei-me na porta. Respirei aquele ar e pensei: qual prato estará preparando hoje? Ao abrir minha porta vi um rapaz vindo no corredor, com um aceno de cabeça nos cumprimentamos e eu adentrei meu apartamento. Ouvi o barulho de batidas na porta da vizinha e um resquício de sua voz. Tocava um blues antigo que eu escutava deitado na minha cama.

Na manhã seguinte acordei muito antes do normal, a voz de Cláudia me acordava. Não era voz, eram gemidos, eram suspiros e gargalhadas. Poucos segundos duraram. Agoniado e engolindo em seco, levantei-me fiz o café e fiquei sentado na sala escura. Nada se ouvia, ainda, na cidade. O dia clareou e eu fui pra porta, uma eternidade se passou no corredor e escadaria do prédio. No portão encontrei Cláudia. Eu, com olheiras, entregava o sono abortado; ela, vestindo apenas uma camiseta, ruborizava enquanto fechava o portão. Abrindo minha caixa de correspondência esbocei um falso riso. Retirei minha conta de luz que jazia lá, solitária. Ao meu lado, Cláudia abriu a dela, e expressando decepção retirou a sua, que estava lá no fundo da caixa, solitária também.