sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Estrada

Entrou no carro. Sabia para onde tinha que ir mas não queria. Permaneceria se pudesse. Se houvesse o pedido para que ficasse. Não veio o pedido, vieram as lágrimas. O limpador de para-brisa removia as lágrimas do mundo. De dentro dele brotava tudo que gostaria - ou deveria - ter dito no momento crucial. Perdeu-se o momento, perderam-se as falas. Da estrada pouco lembra. O que ele vê é ela em toda encruzilhada e a cada parada de ônibus, ficando pra trás. Quanto mais se afastava mais lembrava e no lembrar ia esquecendo. Esquecia dos detalhes do rosto. Será que os lábios sorriram? E os olhos? Brilharam? Sabia que ficaria mais fácil a cada quilômetro andado. Parou no acostamento, desceu do carro e olhou para a estrada percorrida: queria aproveitar um pouco mais o mais perto que esteve dela.  

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Do final

 Eu deveria contar como tudo começou. Não contarei. Vou contar como tudo acabou. Afinal, de começos a gente pouco sabe: coincidências, destino, os astros, planetas, a lua, reencontros, desencontros. Um detalhe. Um pouco a pouco, dia após dia. Na verdade não sabemos bem ao certo quando se inicia. O final sabemos. Tem o dia e a hora exatos. Aquele breve mas interminável momento que os olhos cegam e há um suspiro mínimo e profundo. Foi assim que aconteceu. Havíamos apenas nós - talvez no meio de uma multidão. Não havia mais ninguém. Nossos olhares se encontraram, no meu rosto um sorriso, no dela um sorrir. Caminhamos ao encontro um do outro. Lentamente nossas mãos se tocaram. Um leve aperto. Aproximação. Com os olhos fechados e os lábios entreabertos nos beijamos. Durou 2 segundos e toda uma eternidade. Da mesma forma que não posso dizer se estávamos sós, não posso afirmar que isso realmente aconteceu. Nossa única certeza é que de qualquer jeito que esse tempo passou, o tempo passou pra nós. Era o fim.