quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Uma noite

Era apenas mais uma noite passada naquele quarto de hotel. O corpo meio enrolado nos lençóis não pertencia a moça dona dos sonhos meus. Parado à porta do banheiro, apenas observava aquele leve respirar. Não havia sentimentos bons ou ruins; não havia nada. Sabia que nela haveria essa reciprocidade, quando acordasse. Fora apenas impulso, desejo e instinto. Nos saciamos e nos bastamos. Lavei o rosto e mirei-me no espelho. Meu olhar não permitia mentiras. Nem houvera alguma naquela noite. Ouvi o barulho na cama e pelo canto do olho vi ela se vestindo. Não choramos, não rimos, nem cumprimentos, nem despedidas. Eu tinha apenas o nome dela. Ela levava de mim a atenção de uma noite. Uma noite. Por algumas horas pude esquecer e fi-la deixar de lembrar também. Nem uso nem abuso. Desejos e ilusões saciadas. Sentado no canto do quarto ainda senti o resto do cheiro de nós. Ao entrarem pelas janelas os primeiros raios de sol tudo dela que restava de uma noite se foi.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Meio

Eu pude me ver no sorriso dela.
Era apenas um meio riso; assim como eu, apenas meio: tudo e nada.
Desejei intensamente fazer surgir tal expressão no rosto dela. Busquei-a nas ruas, nos prédios, em quartos, salas, garrafas, cigarros, filmes e poemas, até em outras faces.
Não consegui encontrar.
Sei onde achá-la, no entanto não posso.
A busca com a certeza do não-encontro é uma incerteza permanente aqui dentro.
Basta que feche meus olhos e meu meio riso surja; no ressonar das poucas palavras por ela murmuradas, no mero piscar de seus olhos hipnóticos, no simples respirar do seu nariz e do seu peito.
Transpiro e tremulo.
Gaguejo e tagarelo.
Murmuro e grito.
Aproximo e afasto.
Tudo e nada.
Meio.
Assim como eu.
Assim como o sorriso dela.