quarta-feira, 30 de setembro de 2015

A mulher

Tudo o que sei é que existem bilhões de mulheres no mundo, certo? Algumas bem bonitas. Muitas muito bonitas. Mas de vez em quando a natureza nos sai com um truque bestial: reúne todos os atributos numa mulher especial, uma mulher inacreditável. Quer dizer, a gente olha e não acredita. Tudo se move em perfeita ondulação: planetas, estrelas, a água, o vento. A gente vê o braço, o cotovelo, o peito, o joelho, e tudo se funde numa unidade gigantesca - um todo inesquecível - com aqueles olhos lindíssimos a sorrir, a boca meio descaída, os lábios imóveis como prontos para estourar numa gargalhada, pela sensação de impotência da gente. E ela sabe se vestir. E o cabelo longo incendeia o ar. E então, amigo, não há nada mais a fazer. Apenas aceitar

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Um só

Deitas então com a cabeça sob meu antebraço, não sem antes beijar-me apaixonadamente. De costas para mim nos encaixamos. Somos um só. Meu rosto todo perdido entre seus cabelos: sua cor, seu cheiro, seu gosto. Beijo lentamente o segredo do seu pescoço, tu arrepia. Mão com mão bailamos no palco do nosso corpo; torso, pêlos, pele. Te solto e te aperto. Fique perto. Teus olhos fechados e teu respirar aberto. Não solto. Devagar suspira. O sono vem vindo. Tiro o braço e o travesseiro te espera. O abraço do edredon. Nunca longe te vejo dormir. E sonhar. E voar. E ser. A manhã chega e deitas então com a cabeça sob meu antebraço, não sem antes beijar-me apaixonadamente.

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Uma delicada questão

"Qual o seu deus? O que ele pode fazer por você? Até que ponto a fervorosa religiosidade pode te influenciar?

Pois bem, essas acima, são questões delicadas, nem sempre respondidas, nem sei - na verdade - se há respostas, mas hoje vou contar algo que vi. Um fato. Isso eu presenciei.

Conheço há temos um senhor que reside no interior de minha cidade. Ele tem uma casinha boa de morar, umas galinhas soltas no pátio - que lhe provem ovos, uma vaca ou duas - que lhes fornece o leite diário, meia dúzia de porcos, uma horta, enfim, tudo que uma pequena propriedade agrícola familiar pode proporcionar. Residem com ele a esposa e três filhos, que trabalham dia após dia, juntos, na lida campeira.

Então. Esse meu amigo tinha como principal fonte de renda a produção e venda de aguardente de cana. Eles próprios colhiam a cana, faziam a moagem, coletavam o caldo-de-cana e faziam a destilação desse mesmo. A 'pinga' que eles fabricavam era uma das melhores e mais requisitada da região. Eles a traziam para a cidade e vendiam nos bares e mercados daqui. Em casa, eu a utilizava para a tradicional caipirinha de domingo e na preparação de alguma massa ou doce.

Aconteceu que essa família recebeu, certa tarde, a visita de um religioso que percorria o interior da cidade. Este os convenceu a participar de suas reuniões e a família tornou-se frequentadora habitual dos cultos religiosos. Um dia, este, disse para este meu amigo que ele deveria para de fabricar aguardente, pois esta era um mal que ele estava difundindo pela cidade; que ela era uma destruidora de lares, que era coisa do demônio e outras coisas mais.

Depois de quase 60 anos fabricando seu ganha pão, esse senhor parou de produzir cachaça. No entanto ele não sabia fazer mais nada. Tentou outras culturas e não teve sucesso em nenhuma. Perdeu algumas colheitas e começou a endividar-se. Não conseguia mais dar a volta. Um de seus filhos saiu a procura de emprego. Depois outro e o outro também. Agora eles saem de casa antes do dia clarear e retornam depois que o sol se põe, trabalhando em uma multinacional para ganhar um mísero salário.

Dias atrás reencontrei o meu amigo. Em oito meses ele envelheceu mais do que todos os outros anos em que o conheci. Sua fala está cansada, seus ralos cabelos esbraquiçaram de vez. Com a voz embargada e uma lágrima nos olhos contou-me essa história. Não tem mais esperanças em seu coração.

Indo para casa, ao final do dia, passei em frente aos bares da cidade. As pessoas continuam lá. Trocaram a boa aguardente desse nosso amigo por outra qualquer. Os doces, nas casas, serão feitos da mesma forma que antes. Foi então que minha mente viajou. Foi para junto daquele senhor, sentado na varanda de casa, o mato tomando conta do seu pátio e roça, sozinho, esperando a noite cair e aguardando o retorno dos filhos, os quais quase nunca os vê."

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

olhos

Ela treme ao vento como a última folha de uma árvore morta. Deixo que escute meus passos. Ela estremece por um único instante.

- Aceita uma bebida?
- Aceito. Está tão cheio dessa gente quanto eu?
- Não vim aqui pela festa. Vim aqui por você. Tenho lhe observado há dias. Você é tudo que um homem poderia desejar. Não é só seu rosto, seu corpo ou sua voz. São seus olhos. Tudo o que vejo em seus olhos. 
- E o que vê em meus olhos?
- Vejo uma calma insana. Está cansada de fugir. Está pronta para enfrentar o que tem que enfrentar, mas não quer fazer isso sozinha. 
- Não... não quero enfrentar sozinha.

O vento carrega eletricidade. Ela é macia e quente. Seu perfume é uma doce promessa que me traz lágrimas aos olhos. Digo a ela que tudo vai dar certo. Que vou salvá-la do que ela teme e levá-la para bem longe. Digo que a amo. Eu a abraço forte até ela partir. Nunca saberei do que ela fugia.

Chove.

Seu vestido, assim como seu batom, era vermelho.

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Amor descontrolado


Uma sensação boa toma conta de mim; da minha cabeça, do meu corpo, dos meu olhos, do meu coração. Amo! Amo sim! E este sentimento parece não ser correspondido. Sou levado a acreditar uma ou duas vezes em menos de sete dias que seremos muito felizes. Me fazes imaginar sorrindo um do riso do outro, um beijo em uma noite apenas, talvez chegue a namoro - imagino até, quem sabe, um casamento - onde seremos muito mais felizes que qualquer outro ser. Mas vivendo essa ilusão nunca imagino o fim. Invariavelmente chega um tempo em que tu me desaponta. Não! Não é culpa sua. Os sonhos vivem em mim. Já deveria estar acostumado e calejado com essa situação. No entanto não quero. Quero sim aproveitar esses momentos de euforia, momentos em que tu, só tu existe e me fazes feliz. Ah, a doce ilusão de uma miragem logo a frente que, talvez, nunca chega. Só saibas que ontem, hoje, amanhã, nos próximos anos, imaginarei tudo novamente por mais uma semana. Faça-me sonhar nesses dias, garota, faça-me iludir pelo resto da vida, meu Grêmio.

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Quando sonho

Meus sonhos, que eram recorrentes, tornaram-se escassos. Pouco durmo, menos sonho. Entretanto quando tu aparece neles algo de diferente trazes, sempre. Noite dessas sentávamos, tu e eu, num café; meia luz, as cortinas permitiam que apenas alguns raios de sol chegassem a nossa mesa colocada num canto do recinto, o barman secava alguns copos e organizava as bebidas na prateleira, apenas um senhor tomava seu breakfast no canto contrário ao que estávamos. Nada falamos, em momento algum. Conseguia ver, mesmo na penumbra, o brilho do teu olhar e a leveza do teu riso. No entanto o que marcou-me - e até agora sinto - foram as sensações e lembranças que tive. Descrevo-as, como se pudesse percebê-las neste momento: cheiro de chuva, assim como ouço os primeiros pingos caindo no telhado; Janis cantando, Pink Floyd tocando, uma letra do Cazuza - sim, tudo ao mesmo tempo; o sol que brilha no mar, a areia da praia, a liberdade de correr num gramado, o sol se pondo e a estrada infinita à frente; a surpresa de um presente ganho, o cheiro de uma rosa, a maciez dos pêlos de um cachorro, o gorjear de um pássaro numa manhã de primavera; a primeira vez que te vi, a única vez que andamos lado a lado, o cheiro dos teus cabelos, o calor de tuas mãos, o singular som da tua voz, todas as vezes que em pensamento te beijei. Acordo. Te desenho. Te esqueço. E acompanha-me durante mais um dia tudo isso que, por uma noite, pude sentir.