quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Música

O jantar transcorrera normalmente. Vinho, histórias, risadas, companheirismo. Como em outras ocasiões ele ficou sozinho à mesa enquanto ela tomaria um banho para que fossem a uma festa na sequência da noite. Ele serviu-se de meia taça de vinho, procurou uma estação de rádio e foi até a janela. Mirando o horizonte, olhando para nada pareceu ter ouvido seu nome ser pronunciado; bem baixinho, de leve, sensual. 'Deve ser a música', pensou. Deu o último no gole no vinho que havia no copo e foi servir-se de mais um pouco. No caminho até a mesa ouviu seu nome vindo do corredor. Largou a taça na mesa de centro e foi adentrando no apartamento. O vapor de água que provinha do banheiro já dizia que a porta estava entreaberta. Chamou o nome dela. A resposta contendo seu nome foi um convite. O contraste do calor emanado do chuveiro com a temperatura amena do lado de fora deixava-o sem visão. Divisava apenas o contorno do corpo dela pelo box de vidro respingado de água. Se perguntarem a ele, nunca saberá a resposta de quanto tempo levou para tirar a roupa. As mãos se perderam umas nas outras. Lábios. Cabelos. Pele. Corpo. Ritmo. Risos. Êxtase. Deixaram-se levar pelo instinto e pelo instante. Não lembra de ter se vestido nem de estar novamente à janela, com a taça quase vazia na mão. Ouviu seu nome sendo pronunciado. Soube, mesmo sem mover-se do lugar, que tudo fora apenas um devaneio: 'Deve ser a música'.

quarta-feira, 8 de agosto de 2018

frio e chuva

Lembrei-me dela o dia todo. A solidão ao acordar trouxe-me a ideia de quando ainda não a conhecia. Na água tépida do chuveiro veio-me o abraço inigualável do seu corpo. Lá fora: o frio e a chuva. Nosso último encontro: a porta de vidro do prédio, sua imagem borrada saindo do meu alcance. Debaixo da marquise permaneci. Foi-se a tarde, a noite foi embora. Uma única lágrima misturada ao choro do céu. Após esse dia, nunca mais a vi.