terça-feira, 28 de abril de 2015

Através do vidro

Serenamente adormeci, noite passada. Previa um sono tranquilo, sem interrupções. Não pude. Acordei agoniado. A escuridão me incomodando. Algo em mim não fazia sentido. Apesar do frio, não o sentia, mesmo assim tremi, tremi como nunca. Fiz menção de alcançar o telefone, te ligar talvez. Não, não a incomodaria alta hora dessa noite. Escrevi-te algumas mensagens, meus olhos entreabertos não as enviariam. Virei-me na cama, de um lado para outro e permaneci obrigando meu sono a retornar. Creio ter apagado por alguns segundos - talvez minutos ou horas - pois acordei novamente, sobressaltado, com o rosto e as mãos úmidas. Súbito, levantei-me. Apenas com o brilho da lua atravessando minha janela, vaguei pela casa nervosamente. Não havia pensamento que me acalmasse. Acendi a lâmpada do quarto e a luz se fez. Através do vidro tu me olhavas, e sorrias! No papel, deixei palavras - estas mesmas que hoje me faltam. E então, no fundo do teu olhar, contemplei a calma que precisava para esperar o amanhecer.

Quando as estórias acabam

"Eu nunca sei quando as estórias acabam.

Por isso sempre fico preso entre uma e outra, ou entre nenhuma e nenhuma outra; entre um recomeço sem fim e um fim sem término. Talvez por ser mais espectador ou coadjuvante, do que protagonista da minha vida, tenho essa enfermidade de não dar conta quando baixa o pano.

As luzes apagam, o público sai, os colegas limpam a maquiagem e eu continuo lá: com a fala na cabeça, o texto decorado, aguardando a deixa, a deixa que nunca vem.

Sempre tive medo das coisas e das pessoas. Um pavor e uma falta de fé. Talvez por isso eu tenha criado minha própria companhia teatral, onde sou diretor; contra-regra; atores e público. Enceno só pra mim uma tragicomédia. A realidade me faz tão mal e me deixa tão fraco que fico, no fundo do palco, muitas vezes, a sussurrar o texto a mim mesmo. Às vezes não ouço, porque sussurro baixo e minha voz é trêmula...

O público não entende a peça, logo, não aplaude. Eu, furioso, demito a todos: ao diretor, ao autores...expulso o público do teatro e ateio fogo a tudo. E ali dentro fico eu, junto às cortinas e aos holofotes, incandescentes; queimando, queimando, queimando..." 


Texto de Alejandro da Costa Carrilles, autor carioca que mora na cidade de Petrópolis

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Elis Regina - Como nossos pais (letra)

Não quero lhe falar
Meu grande amor
Das coisas que aprendi
Nos discos
Quero lhe contar como eu vivi
E tudo o que aconteceu comigo

Viver é melhor que sonhar
Eu sei que o amor
É uma coisa boa
Mas também sei
Que qualquer canto
É menor do que a vida
De qualquer pessoa

Por isso cuidado, meu bem
Há perigo na esquina
Eles venceram e o sinal
Está fechado pra nós
Que somos jovens

Para abraçar seu irmão
E beijar sua menina na rua
É que se fez o seu braço
O seu lábio e a sua voz

Você me pergunta
Pela minha paixão
Digo que estou encantada
Como uma nova invenção
Eu vou ficar nesta cidade
Não vou voltar pro sertão
Pois vejo vir vindo no vento
Cheiro de nova estação
Eu sinto tudo na ferida viva
Do meu coração

Já faz tempo
Eu vi você na rua
Cabelo ao vento
Gente jovem reunida
Na parede da memória
Essa lembrança
É o quadro que dói mais

Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Como os nossos pais

Nossos ídolos
Ainda são os mesmos
E as aparências
Não enganam não
Você diz que depois deles
Não apareceu mais ninguém

Você pode até dizer
Que eu tô por fora
Ou então
Que eu tô inventando

Mas é você
Que ama o passado
E que não vê
É você
Que ama o passado
E que não vê
Que o novo sempre vem

Hoje eu sei
Que quem me deu a idéia
De uma nova consciência
E juventude
Tá em casa
Guardado por Deus
Contando o vil metal

Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo, tudo
Tudo o que fizemos
Nós ainda somos
Os mesmos e vivemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
Como os nossos pais

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Beleza rara

Uma beleza rara do norte
Ela é a mais bonita do mundo 
Apenas um olhar dela pode destruir uma cidade inteira 
Um segundo olhar pode destruir um país inteiro 
Não existe cidade ou nação que tenha sido mais abençoado 
Que uma beleza como essa 

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Não saiba

Tu sabes. Não sabe? De tudo que há em mim. Daquilo que veio para ser efêmero, rápido, passageiro. E ficou. E é. Permaneceu. Também não imagino diferente. Uma reciprocidade? Essa não se espera, ela apenas surge. Nasce. Não nasceu. Mesmo assim estou feliz, realizado. Completo? Nunca estarei. Sempre haverá motivos para mais busca. E gosto do jeito que você não sabe. De te falar o que muitas vezes não quer ouvir. E mesmo assim tu ouves. Que seria isso? Não, não me explique. Apenas continue. Nem te preocupes, nunca deste-me motivação. Essa eu próprio criei. É o que me move. Que circula pelas minha veias. Que faz com que não congele nas frias tardes de inverno. Que não me deixa sozinho nas noites de verão. Terá fim? Que não tenha! Se algo diferente acontecer não serei o mesmo. Meus sonhos não te imaginarão. Minhas palavras não mais sairão. Meus sentimentos nunca mais serão. Portanto fiques um pouco mais. Fiques muito mais. E não saiba. De tudo isso que há em mim.

Poema - Cânticos de Salomão

Eis que noite passada lendo o livro Sobrevivente, de Chuck Palahniuk - mesmo autor de Clube da Luta - deparei-me com uma citação e referência à Bíblia. Já li trechos dela, já busquei algumas histórias e afins por lá. Apesar de ter deixado minha religiosidade de lado há muito tempo, posso garantir que tal livro continua sendo uma ótima ficção com bons textos e autores contidos ao longo da narrativa. Então busquei o texto completo da frase a que o autor referiu e dei de cara com um dos poemas mais fodas que já li.

Transcrevo abaixo; trata-se dos Cânticos de Salomão:


Como és formosa, amada minha, eis que és formosa! os teus olhos são como pombas por detrás do teu véu; o teu cabelo é como o rebanho de cabras que descem pelas colinas de Gileade.

Os teus dentes são como o rebanho das ovelhas tosquiadas, que sobem do lavadouro, e das quais cada uma tem gêmeos, e nenhuma delas é desfilhada.

Os teus lábios são como um fio de escarlate, e a tua boca é formosa; as tuas faces são como as metades de uma romã por detrás do teu véu.

O teu pescoço é como a torre de Davi, edificada para sala de armas; no qual pendem mil broquéis, todos escudos de guerreiros valentes.

Os teus seios são como dois filhos gêmeos da gazela, que se apascentam entre os lírios.

Antes que refresque o dia e fujam as sombras, irei ao monte da mirra e ao outeiro do incenso.

Tu és toda formosa, amada minha, e em ti não há mancha.

Vem comigo do Líbano, noiva minha, vem comigo do Líbano. Olha desde o cume de Amana, desde o cume de Senir e de Hermom, desde os covis dos leões, desde os montes dos leopardos.

Enlevaste-me o coração, minha irmã, noiva minha; enlevaste- me o coração com um dos teus olhares, com um dos colares do teu pescoço.

Quão doce é o teu amor, minha irmã, noiva minha! quanto melhor é o teu amor do que o vinho! e o aroma dos teus ungüentos do que o de toda sorte de especiarias!

Os teus lábios destilam o mel, noiva minha; mel e leite estão debaixo da tua língua, e o cheiro dos teus vestidos é como o cheiro do Líbano.

Jardim fechado é minha irmã, minha noiva, sim, jardim fechado, fonte selada.

Os teus renovos são um pomar de romãs, com frutos excelentes; a hena juntamente com nardo, e o açafrão, o cálamo, e o cinamomo, com toda sorte de árvores de incenso; a mirra e o aloés, com todas as principais especiarias.

És fonte de jardim, poço de águas vivas, correntes que manam do Líbano!

Levanta-te, vento norte, e vem tu, vento sul; assopra no meu jardim, espalha os seus aromas. Entre o meu amado no seu jardim, e coma os seus frutos excelentes!

(Cantares de Salomão 4:1-16)

terça-feira, 14 de abril de 2015

Sobre os erros que cometemos

Costumo cometer muitos erros num só dia.

E não vejo isso como um grande problema.

Lógico que alguns erros são maiores que outros; alguns trazem consequências irreversíveis, outros são em menor escala. Acontece que ao final do dia, quando consigo parar e pesar tudo que transcorreu, procuro fazer um balanço do que aconteceu. Então vejo que os erros que cometi me fazem buscar uma solução; com isso aprendo. Através desses erros procuro algo que me faça não errar mais, que me torne uma pessoa melhor.

A cada acerto - ou vezes que achamos ter acertado - tudo fica como está, nem nos preocupamos em saber que poderia haver outra alternativa.

Uma das coisas mais difíceis na hora de consertar algo é quando erramos com alguma pessoa. Geralmente é difícil nos desculparmos, pode fazer com que nos sintamos inferiores ou algo do tipo. Entretanto esse pode ser o maior símbolo de racionalidade que há num ser humano. Não há humilhação, há apenas humildade.

Eu, particularmente, prefiro esse caminho do que conviver com uma culpa que permanecerá por um tempo interminável.

Por fim, apenas repito: costumo cometer muitos erros, não gosto de errar, mas os erros, ah, os erros, esses nos fazem ir em busca; e essa busca é a melhor parte no caminho de nossas vidas.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Quando escrevo

Não consigo escrever quando estou tranquilo, ou feliz.

Escrevo quando meus pensamentos me atormentam, quando chove lá fora, quando a tempestade se faz forte e intensa, quando a nuvem que me rodeia insiste não passar.

Escrevo quando há um vazio, quando tudo está incompleto, quando falta algo - mesmo uma mísera parte - em mim.

Escrevo quando meu sono é inquieto, quando meus sonhos são sufocantes, quando minhas pernas falseiam, quando tremem minhas mãos.

Escrevo quando os filmes nada me mostram, quando as músicas nada me dizem, quando os poemas não me tocam, quando os livros nada descvrevem.

Escrevo quando na verdade queria falar. Eu escrevo porque tenho algo a dizer. Nem sempre é para alguém. Escrevo pra mim. Assim consigo me ouvir, só assim consigo me ver, é assim que consigo ficar bem: comigo e com o mundo.

Então fico em paz.
Escrevo e fico completo.
E já não preciso mais escrever.
Apenas sentir.
E viver.

Sobre o que aproxima

E a gente utiliza mensagens de celular, whatsapp, messenger, e-mail e qualquer forma de comunicação que exista. Carta? Nós trocamos também. O bom e velho telefone fixo continua sendo de bom uso. Se soubéssemos enviar sinais de fumaça, faríamos; se voltassem os antigos mensageiros, certamente trabalhariam muito para nós. E, tenho certeza, de que a cada novo tipo de comunicação que seja criada nós nos utilizaremos; pois vale tudo para que continuemos próximos, mesmo distantes. No entanto nada substitui, para mim, aquele olho no olho: voz, imagem, cheiro, sorriso e expressões que só eu percebo quando estamos perto um do outro.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

mais do mesmo


escrevi a pouco
um novo poema
não era novo
era igual
a tantos outros
tantos que escrevi
era a mesma paisagem
era o mesmo sentimento
era mais do mesmo sonho
e era você
então soube
que as palavras não bastam
que as palavras não chegam
não são suficientes
para que saibas
para que eu escreva
um novo poema
com essas poucas palavras
que já utilizei

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Caminho

Percebi que devo deixar algumas coisas para trás. Percebi que perdi o caminho a seguir. Devo deixar algumas coisas, algumas pessoas, algumas virtudes - que vícios se tornaram - e reencontrar a paz a muito perdida.

Meu caminho nem sei ao certo qual é. Desviei-me dele tentando seguir algumas pessoas; ora tentando ajudar, ora buscando ajuda. Hoje o que vejo é apenas um esboço do que já tinha trilhado. Não faz mal. Arrancarei as ervas daninhas que estão a minha frente; chutarei pedras pra longe, outras guardarei em meus bolsos para que os ventos que ousarem me levar, dessa vez não me levem.

Será muito difícil; mas todo carinho, afeto e respeito que deixei no caminho dos outros trarei pra mim. Guardarei tudo isso comigo, para que quando eu mais necessitar possa, dentro de mim, buscar o que desejo. Egoísmo? Talvez. Mas, mais do que isso, é amor-próprio. Desses que senti falta mesmo quando muitos me abraçaram. Desses que me foram tirados com palavras doces e ações vazias.

Não tenho mais medo. Tudo que poderia ter errado, errei. O tempo sei também que é muito curto, mas não o desperdiçarei mais. Vou correr contra ele e contra esse tortuoso caminho. Quedas virão e me levantarei. Machucados terei e cicatrizes ficarão, no entanto essas novas e as outras que restaram, vão me mostrar que tudo tem cura e que nunca é tarde demais.