terça-feira, 8 de outubro de 2019

verdade

Eu sempre soube que não sou um bom escritor; nem tenho pretensão de sê-lo. Escrevo o que me soa como verdade. Na minha cabeça as frases se encaixam, os textos são fluídos e as imagens são coerentes. O papel não me aceita. Aliás, ele aceita tudo. Por isso as palavras são desconexas e as ideias estão dispersas. Das certezas que tenho é que quando desejos, atitudes e palavras não bastam todo o resto é insuficiente. E nada poderá ser mudado. Seguirei deixando fluir letras e sons e imagens mesmo sabendo que nada importa.

terça-feira, 9 de julho de 2019

medo

Ela tinha os medos dela. Medo do que foi, do que é, do que seria. O medo de trocar tudo aquilo que tinha por uma mera projeção de uma fantasia. Estava tudo bem com ela. Tudo normal. Mas era o normal que começava a pulsar dentro dela: o normal era pouco.

Ele tinha os medos dele. Já conhecia o passado, do presente ele não gostava, o futuro não trazia nada melhor. Dentro dele o receio de mais do mesmo, de se provar verdadeiro que a história gira num ciclo infinito. Aquele ciclo de estar, ficar e partir. Era normal. E nada mudaria isso.

Então dois mundos colidiram. Duas estradas em diferentes direções que se cruzaram. Aquele acaso do destino. Aquela coincidência impossível de acontecer.

Dentro dele aquela falta de ar. Dentro dela o pulsar do coração. Nos olhares, brilhos. Nos lábios, risos. Palavras não ditas, gestos contidos. A voz falha, as mãos tremem, aquela gota de suor constrangedora acima dos olhos. Tão improvável quanto o encontro, o desenrolar se mostrou surpreendente.

Tentaram desviar os olhares, como normalmente faziam. Mas aquele segundo demorou uma eternidade.

Ele sorriu. Ela sorriu de volta. Não fecharam os olhos. Havia tanta gente a volta e não havia ninguém. Seus dedos se tocaram. O tremor aumentou e logo se desfez. No tocar dos lábios todo o medo que havia nela e os receios que moravam nele se foram. Não sabiam o que viria. Mas estavam prontos a fazer acontecer.

terça-feira, 14 de maio de 2019

bem mais que cinco minutos guardados

Teus olhos querem me levar
Eu só quero que você me leve
Eu ouço as estrelas conspirando contra mim
Eu sei que as plantas me vigiam do jardim
 
- Coloque o cinto - tu disseste.
Eu nem ouvi direito o que falavas. Olhava teus olhos e teu riso enquanto tu miravas a estrada à frente.
Não saberia dizer para onde estávamos indo. Eu iria onde tu me levasse.

As luzes querem me ofuscar
Eu só quero que essa luz me cegue
Nem cinco minutos guardados dentro de cada cigarro
Não há para-brisa pra limpar, nem vidros no teu carro

Era a hora mais escura do dia. Aquele momento entre o fim da madrugada e o início da manhã.
Misturavam-se os faróis dos carros e a aurora no horizonte. Navegávamos em direção ao sol.
Pelos vidros abertos teus cabelos esvoaçavam-se ao vento. Seu gargalhar e sorrir eram a trilha perfeita da manhã.

O meu corpo não quer descansar
Não há guarda-chuva contra o amor
O teu perfume quer me envenenar
Minha mente gira como um ventilador

Mesmo dentro do carro nossos corpos eventualmente se tocavam: mãos, olhares, braços e abraços.
Tu nos guiava. Eu entorpecia-me. Soube que jamais me libertaria das sensações.

A chama do teu isqueiro quer incendiar a cidade
teus pés vão girando igual aos da porta estandarte 

Quanto mais tu rias mais ficavam para trás o que não iríamos lembrar.
Uma parada. Uma paisagem. O sol já acima do horizonte. Um beijo com gosto de infinito.
Nossos olhos não captavam onde céu e terra se encontrariam.
Nem eles distinguiriam onde terminava eu e começava tu. 

Eu estou no meio da rua
Você está com medo de tudo
O teu relógio quer acelerar
Quer apressar os meus passos
Não há pára-raio contra o que vem de baixo

Após o beijo uma única lembrança disforme: meus olhos abrindo, a estrada vazia, teu perfume em mim. Olhei minhas mãos e elas sentiram tua falta. Minha boca tem o teu gosto. Meus olhos manterão teus olhares e teus risos muito mais que apenas os cinco minutos que o rádio me dizia.

Música incidental: Nem cinco minutos guardados - Titãs

terça-feira, 12 de março de 2019

Voz

Eu aguardo o som da voz dela. E guardo em mim. É a única forma que a tenho. Momento em que somos apenas nós. Através do ar, de fios, aparelhos. Na mensagem trocada nada subentendido, tudo explícito. Nada íntimo, tudo corriqueiro. Dia sim, dia não, outro sem; eu aguardo. E guardo comigo. Cada palavra, cada som, cada respiro, cada suspiro. Imagino. Não estaríamos, nem deveríamos. Mas poderíamos, sim. Poderíamos! Seria lindo: teu riso no meu, teu beijo no meu, teu sonho no meu. Permaneço com o que tenho dela. O som de sua voz. Serena, suave, calma, alentadora. Mesmo passando pelos frios aparelhos que nos unem. Eu aguardo ela me ligar. E a guardo dentro de mim.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Uma noite

Era apenas mais uma noite passada naquele quarto de hotel. O corpo meio enrolado nos lençóis não pertencia a moça dona dos sonhos meus. Parado à porta do banheiro, apenas observava aquele leve respirar. Não havia sentimentos bons ou ruins; não havia nada. Sabia que nela haveria essa reciprocidade, quando acordasse. Fora apenas impulso, desejo e instinto. Nos saciamos e nos bastamos. Lavei o rosto e mirei-me no espelho. Meu olhar não permitia mentiras. Nem houvera alguma naquela noite. Ouvi o barulho na cama e pelo canto do olho vi ela se vestindo. Não choramos, não rimos, nem cumprimentos, nem despedidas. Eu tinha apenas o nome dela. Ela levava de mim a atenção de uma noite. Uma noite. Por algumas horas pude esquecer e fi-la deixar de lembrar também. Nem uso nem abuso. Desejos e ilusões saciadas. Sentado no canto do quarto ainda senti o resto do cheiro de nós. Ao entrarem pelas janelas os primeiros raios de sol tudo dela que restava de uma noite se foi.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Meio

Eu pude me ver no sorriso dela.
Era apenas um meio riso; assim como eu, apenas meio: tudo e nada.
Desejei intensamente fazer surgir tal expressão no rosto dela. Busquei-a nas ruas, nos prédios, em quartos, salas, garrafas, cigarros, filmes e poemas, até em outras faces.
Não consegui encontrar.
Sei onde achá-la, no entanto não posso.
A busca com a certeza do não-encontro é uma incerteza permanente aqui dentro.
Basta que feche meus olhos e meu meio riso surja; no ressonar das poucas palavras por ela murmuradas, no mero piscar de seus olhos hipnóticos, no simples respirar do seu nariz e do seu peito.
Transpiro e tremulo.
Gaguejo e tagarelo.
Murmuro e grito.
Aproximo e afasto.
Tudo e nada.
Meio.
Assim como eu.
Assim como o sorriso dela.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Livros 2019

Vou fazer uma listinha, mês a mês dos livros que li este ano. Não farei resenha nem nada do tipo; apenas título e autor.
Se alguém quiser saber algo mais sobre os mesmos sabem como me achar.

JANEIRO 

- Caim - Jose Saramago
- Manson, a biografia - Jeff Guinn
- Trono de Vidro - #1 - Sarah J. Mass
- Trono de Vidro - #2 - Coroa da meia noite - Sarah J. Mass
- A mulher mais bonita da cidade - Charles Bukowski
- A revolução dos bichos - George Orwell

FEVEREIRO 

- Jogador Nº 1 - Ernest Cline
- Trono de Vidro - #3 - Herdeira do fogo - Sarah J. Mass
- Trono de Vidro - #4 - Rainha das sombras - Sarah J. Mass
- O Hobbit - J. R. R. Tolkien

 MARÇO

- Tormenta de fogo - Série Executores #2 - Brandon Sanderson
- O príncipe - Maquiavel
- Calamidade - Série Executores #3 - Brandon Sanderson
- Black hole (hq) - Charles Burns

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Metade

Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito...
Mas a outra metade é silêncio

Que a música que ouço ao longe
Seja linda ainda que tristeza
Que a mulher que amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante
Pois metade de mim é partida...
Mas a outra metade é saudade

Que as palavras que falo
Não sejam ouvidas como prece, nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas como a única coisa
Que resta a um homem inundado de sentimentos
Porque metade de mim é o que ouço...
Mas a outra metade é o que calo

Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que mereço
Que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada
Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
Que eu me lembro ter dado na infância
Porque metade de mim é a lembrança do que fui...
Mas a outra metade, não sei

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
Pra me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo...
Mas a outra metade é cansaço

Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela mesma não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Porque metade de mim é plateia...
A outra metade é canção

E que a minha loucura seja perdoada
Pois metade de mim é amor...
E a outra metade também

Oswaldo Montenegro

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Uma

Ela apareceu quando eu nunca imaginava. Pois nunca quis. Depois não me imaginava sem. Me mostrou a paciência, a independência, a preocupação, o cuidado e o amor. Éramos tão parecidos. Éramos cúmplices. Durou apenas um ano e uma fatalidade nos separou para todos os outros. Ficará bem onde estiver. Eu, guardarei um pequeno vazio por onde eu for.
















quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

O sorriso


Resplandecia de longe, o sorriso.
(Divisaria ele de onde estivesse.)
Me aproximando consegui perceber o olhar, a face, as cores (cores, cores, muitas cores)...
Um beijo.
De leve.
Daqueles que mal tocam os lábios, entretanto trazem e deixam.
- Quanto esperei;
- Quanto desejei.
Lábios que não pronunciaram, apenas sabiam.
Teus cabelos a descansar no meu braço.
Um abraço.
Descobrimos um no outro o que simplesmente imaginávamos.
E éramos.
Os risos, as falas, substantivos e adjetivos vieram todos; depois dos suspiros.
Ahhh!!
O sorriso.
Quis apenas que, se estivesse sonhando, não acordasse. Que se estivesse acordado, nunca mais dormisse.