segunda-feira, 31 de agosto de 2015

A mim

Novamente tomei papel e caneta por entre meus dedos e deixei fluir tudo que havia em mim. Eram palavras destinadas a ti; coisas que queria te falar; coisas sobre tu e eu. Por horas as palavras que deviam sair de minha boca, apareceram no papel. Minhas mãos doeram, meu peito apertou, meus olhos lacrimejaram. Finitas frases de infinitos sentimentos. Páginas e páginas do pouco que pude expressar. Ao final, então, dessa noite juntei todas as folhas que havia em volta de mim. Li, desde o início tudo que havia escrito. Percebi antes mesmo de te enviar essa carta que, no fim das contas, o destino de todas as palavras que escrevi eram apenas para os olhos meus.

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

epitáfio


Há um banco
Onde minha amada senta
Seus pensamentos voam
Mas são pra outro que vão
Ela ama seu jeito despojado
Quando finge não se importar
Toda sexta-feira eles se encontram
E juntos pegam fogo
E a minha amada
Que já foi sincera comigo
Acomoda-se nos braços dele
Sentada sobre seus joelhos
Murmura amor em seus ouvidos
Então eu
Eu cavo meu próprio abismo
Aquele em que caio
Sem nunca atingir o chão
Lágrimas e nuvens
Cinzas e chuva
Grudam em meu corpo
Adeus, para você
Pois temos que nos despedir
Não fique triste com nossa separação
Lembre-se que os melhores amigos
Tem um dia que se separar
Penduremos nossos corações
Em galhos de árvores
E que o abismo que cavei
Torne-se cova larga e funda
Com uma lápide, acima de mim
Contendo apenas uma frase:
Fique claro que morri de amor

domingo, 23 de agosto de 2015

escuridão

É uma coisa rara encontrar um amigo neste mundo, um amigo verdadeiro. Mais raro ainda um que poderia... tornar-se mais. Há quem faça e arrisque tudo por isso. E, embora o mundo e toda sua força tente extinguir seu amor, eles o queimam, feroz e brilhantemente, como o sol. O amor que conheço e a força exigida de mim não estava lá. Eu falhei. Não quis lhe causar esta dor. Dizem que o passado não passa de um magnetismo escuro. Que tu me ajudarias a resistir. Eu sairia da escuridão se tu me ajudasses a conhecer o sol.

ilustre

Ilustre garota
Ilustre meus poemas
Ilustre músicas
Ilustre a vida
Ilustre nossos beijos
Ilustre nossos sonhos
Ilustre teu querer
Ilustre meu desejar
Ilustre nosso andar
Ilustre nosso viver
Ilustre nosso pensar
Ilustre também o pesar
Ilustre teu sorrir
Ilustre teu cantar
Ilustre teu murmurar
Ilustre teus lábios
Ilustre teu falar
Ilustre meu nome
Ilustre nosso amar

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Teatro


Quando dei por mim estava dentro de um teatro. Todas as cadeiras estavam vazias. Havia uma movimentação nos bastidores, no entanto não me apercebia do que estava acontecendo. Passando no corredor olhei de um lado para outro: solidão. Dezenas de lâmpadas de várias cores eu sabia que apontavam para o palco, apenas uma estava acesa. Aquela semiescuridão me deixou agoniado. Por uma escada lateral invadi o local da apresentação. Uma porta entreaberta me levou até o camarim. Por uma fresta, pude vê-la: o olhar no espelho, um batom vermelho na mão, o vestido com metade dos botões por fechar. Um contrarregra segurou-me pelo braço e repetiu palavras do meu texto: "Sinto muito, amada minha, devo te deixar. Outros amores, outros abraços, outros calores, irei provar...". No centro do palco uma cadeira vazia, uma janela para o infinito e algumas flores artificiais. Lentamente caminhei para meu lugar marcado, aguardando o momento certo de pronunciar as frases que não queria falar.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Importuna Razão, não me persigas - Soneto de Bocage

Importuna Razão, não me persigas;
Cesse a ríspida voz que em vão murmura;
Se a lei de Amor, se a força da ternura
Nem domas, nem contrastas, nem mitigas;

Se acusas os mortais, e os não abrigas,
Se (conhecendo o mal) não dás a cura,
Deixa-me apreciar minha loucura,
Importuna Razão, não me persigas.

É teu fim, teu projecto encher de pejo
Esta alma, frágil vítima daquela
Que, injusta e vária, noutros laços vejo.

Queres que fuja de Marília bela,
Que a maldiga, a desdenhe; e o meu desejo
É chorar, delirar, morrer por ela.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

perguntas

então após um longo de tempo de incertezas, dúvidas, um quê de sofrer, outro de esperar parei para pensar e me fazer uma pergunta:

por quê?

por quê não daria certo?
por quê não estamos em sintonia?
por quê este martírio?
por quê tão longe assim?
por quê este tanto imaginar?
por quê se esperançar?
por que não perto de mim?

não obtive nenhuma resposta.

foi neste momento que resolvi mudar a perguntar:

por quê aconteceu isso comigo, sobre você?

foi então que a vi em minha cabeça e tornou-se claro.
e soube também que, apesar de tudo, cada segundo vale a pena.

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Perfume


meu calor aquecia teus pés
teu perfume inundava meu quarto
madeira, flores, essências
de marfim tu foste feita
brilhava nos olhos meus
teu riso incandescente
tua fala calma e serena
o som em volta não atrapalhou
cores, imagens, brilhos
um querer mais que tudo
teu cheiro no meu travesseiro
que por uma noite abracei
um beijo que não veio
outro abraço que não aconteceu
o desejo que nunca morre
a manhã que renasce
de ti apenas ficou
o que deixaste em mim

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Soneto da confusão

eu que sei a diferença entre mas e mais
faço uso dos verbos intender e entender
também sei bem o que é demais ou de mais
sempre comprometido com bem dizer e bendizer

já estive em faculdade e em escola
fui namorado e enamorado
sei o que é pepsi e coca-cola
ora descolado outra desolado

só não sei separar felicidade e sofrer
o que é amizade do que é amor
o que eu ouço e o que quer me dizer

talvez amar seja mesmo a dor
meu bem querer não seja teu querer
que mesmo brando é avassalador

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Som ao redor

Certo dia conheci uma garota. Ela havia morado a vida inteira em uma grande cidade. Contou-me dos perigos que haviam nas ruas, do recolhimento dentro de seu condomínio, contou-me dos horários certos e das noites que passava olhando outras janelas.

Um dia trouxe-a para conhecer o meu mundo.

Eu, moro numa cidade pacata, simples, com um estilo interiorano próprio de ser. Chegamos tarde da noite; pela manhã ela disse-me que não havia conseguido dormir nada. Apesar de conviver com o barulho das sirenes, dos carros acelerando e freando, das pessoas que falavam todas juntas e nada se poderia ouvir, ela estranhou o som do nada. O barulhinho dos grilos, um gato que pisava nas folhas secas do meu pátio, um cachorro solitário que ao longe uivava.

Durante o dia ela se impressionou com as pessoas que se conheciam na rua: um que parava para conversar, outro que tinha em suas mãos cestos de frutas e as distribuía, um cheiro de pão quentinho que saía pela janela da vizinha. Tudo muito estranho, ela me disse.

Nesta noite, então, sentamos na frente de casa. Assim que o sol se pôs, por detrás de outro monte surgiu um clarão. Petrificada, ela teve o primeiro vislumbre de um nascer da lua. Tal como dia, fez-se a noite. Deitados na grama, ficamos por horas olhando apenas para o mar de estrelas. Ela disse-me que, por conta da claridão dos arranha-céus de sua cidade, nunca tinha visto espetáculo tão bonito. Nesta mesma noite ela dormiu.

Agora mesmo lembrei-me dela; lembrei-me daquela noite; lembrei das coisas que nunca devo esquecer. Apaguei as luzes da casa, desliguei a tv e o rádio, seitei-me na varanda e só quero ficar. Estar aqui olhando e vendo apenas o som ao redor.

Gustave Flaubert (1821-1880)

"Entretanto, as chamas abrandaram-se, seja porque a provisão se esgotasse, seja porque a acumulação fosse muita. Extinguiu-se o amor, pouco a pouco, pela ausência; à saudade sucedeu o hábito; e aquele clarão de incêndio que lhe ruborizava o céu desmaiado se descobriu de mais sombra e desapareceu gradativamente."