quarta-feira, 28 de abril de 2010

De Jorge para Guiomar

"Perdoe-me se lhe chamo assim; as convenções sociais condenam-me decerto, mas o coração aprova, que digo? ele mesmo escreve estas letras. Não é a minha pena, não são os meus lábios que lhe falam deste modo, são todas as forças vivas da minha existência, que em alta voz proclamam o imenso e profundo amor que lhe tenho. Antes de o ler neste papel, já a senhora o há de ter visto, pelo menos adivinhado nos meus olhos, na doce embriaguez que em mim produz a presença dos seus. Persuado-me de que todo o meu esforço em recalcar este afeto é vão; por mais que eu sinceramente deseje esquecê-la, não o alcançarei nunca; não alcançarei mais que uma aflição nova. O remorso de o tentar, virá coroar os demais infortúnios. Por que razão rompo hoje o silêncio em que me tenho conservado, medroso e respeitoso silêncio que, se me não abre o caminho da glória, ao menos conserva-me a palma da esperança? Nem eu mesmo saberia responder-lhe; falo, porque uma força interior me manda falar, como transborda o rio, como se derrama a luz; falo porque morreria talvez se me calasse, do mesmo modo que morrerei de desespero, se além do perdão que lhe peço, me não der uma esperança mais segura do que esta, que me faz viver e consumir."

Carta de Jorge para Guiomar. A mão e a luva. Machado de Assis.

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