sexta-feira, 14 de junho de 2013

De números e beijos

Era noite alta. O vento e o frio davam de encontro a janela e só faziam aumentar a sensação de infelicidade. No rádio, os Cascavelletes cantavam Lobo da estepe e a solidão aumentava.

Então ela abriu a porta, cruzou o corredor e adentrou meu quarto.

Sua visão fez meus olhos brilharem. Aproximando-se lentamente deitou ao meu lado e fitou-me intensamente. Via que os seus olhos estavam marejados, que era um olhar de despedida; mas que era um olhar sincero.

Durante longo tempo permanecemos falando tudo que havia entre nós, entretanto nem uma palavra fora pronunciada. Eu queria ter algo a dizer. Quando tentei, dois dedos tocaram-me os lábios silenciando-me novamente. De sua boca ouvi:

- Fale-me de números.

Não entendi. O que ela queria dizer com números? Ora números! Esboçando uma tentativa de falar fui interrompido:

- Conte-me os números.

Sorrindo aquele riso seu, aquele riso que só ela tem, riso inocente, riso confortador, riso meu; iniciei:

- Um..

Nossos lábios lentamente se tocaram. Um beijo único, tal e qual o primeiro. Junto dele vieram as imagens, lembranças do passado, o sentimento que eu carregava dentro de mim e uma torrente de emoções.

- Dois..

Um beijo que incendiou. Beijo que deu vida própria a nossas mãos, braços, pernas e corpo. Longo beijo.

- Três..

- Quatro..

- Cinco..

- Seis..

Beijos de paixão. Beijos de amor. Beijos de saudades. Beijos com vontade.

Nesse lapso de tempo nos amamos. Apenas os números foram pronunciados. Nada mais foi dito. Tudo estava implícito.

- Sete..

Beijo de despedida. Beijo salgado de lágrimas. Sem choro. Sem rancor. Sem medo.

- Oito.

E era o beijo do adeus. Beijo de obrigado. Beijo de fique bem sempre.

Displicentemente ela levantou-se, não sem meio segundo de hesitação. Dirigindo-se lentamenta à porta, quase parou. Olhando seu rosto de perfil, percebi um mínimo de tristeza; o que ela transportava era muito maior: serenidade e certeza.

Assim fiquei, por horas, dias, noites; não sei. Sei que ao acordar pareceu-me um sonho. Mas seu perfume, no travesseiro ao lado, não deixou-me enganar.

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