terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Conto sobre palavras

Houve um dia em que perdi meu vocabulário. É sério, não ria. Não sei se foi por ter lido muito pouco nos dias anteriores; não sei se foi falta de atenção; ou puro e simples esquecimento. Não sei. O que sei é que as palavras morreram na minha garganta e travaram nos meus dedos. Comecei a pronunciar apenas frases feitas. Escrevi poemas que já havia declamado. Resenhei uma crônica que já havia sido publicada. Imitei canções já musicadas. Acometeu-me um desespero nunca antes sentido. Achei que havia desaprendido tudo que tinha absorvido durante muitos anos. Senti-me impotente; meus olhos arregalados, a mão tremente, coração acelerado e um pingo de suor demonstravam meu nervosismo. Justo comigo que havia afundado o olhar em livros. Justo comigo que varava noites lendo os grandes da literatura. Por quê aconteceu comigo que sabia tantos poemas, tantas letras de música, tantos diálogos de filmes? Engasgado, faltando-me o ar, abri a porta de casa e disparei sem rumo pela cidade. Olhava para tudo e para todos, sem controle das pernas e do destino corri até que meu corpo não aguentou mais. Sentei-me, então, em uma praça que não havia visitado antes, exausto com a cabeça apoiada nas mãos permaneci. Longo tempo fiquei. Uma mão então tocou meu ombro e, assustado, olhei para o lado. Uma senhora, de olhar doce perguntava o que havia acontecido comigo. Tentei explicar calmamente, no entanto eu não entendia o que estava falando. Decidi apenas ouvir. E me acalmei. Com o mesmo olhar que ela me acolheu no primeiro momento foi com o que se despediu minutos depois. De onde estava levantei-me e continuei caminhando por muitas ruas estranhas ao meu olhar. Um florista arrumando vasos de rosas em uma calçada parou-me com um simples gesto; sem mesmo eu perguntar ele começou a me falar de como preparava a terra, as mudas, o cultivo, o preparo, a colheita e todas as fases de preparo de um lindo buquê. Ao deixá-lo, o senhor entregou-me um botão de rosa e um sorriso, os dois levei comigo descendo a ladeira que me levava a um lugar qualquer. À soleira de uma porta havia uma moça com um livro em suas mãos. O livro era gasto, as páginas voariam se ela não as mantivesse em constante segurança, entretanto o livro era novo pra mim. Com um mero movimento de cabeça a moça convidou-me a sentar ao lado dela; então, um brilho diferente nos olhos apareceu e ela começou a contar passagens do livro. Compenetrada, pareceu-me que ela própria era protagonista da história. Por horas permaneci ouvindo aquela leve narrativa a qual me fez viajar junto dela. Em momento algum pronunciei qualquer palavra. Nem mesmo quando uma trupe de teatro mambembe parou junto à calçada. Malabaristas, palhaços e acrobatas acompanhados de um trio de música extravasavam alegria junto às pessoas. Sentados ficamos olhando aquela das mais antigas formas de entretenimento. Quando eles se foram e eu levantei-me da escadinha, a moça estendeu-me o livro e disse para que ficasse com ele. Tomando o livro em uma das mãos e com a outra entregando o botão de rosa segui caminho para casa, não sem antes visualizar a rosa próxima ao rosto risonho da moça do livro. Sem mesmo lembrar-me do caminho cheguei ao meu quarto. Antes de cair no sono li vários capítulos do livro. Uma linguagem diferente, uma história nem parecida com as que tinha costume de ler e os sonhos vieram. Sonhei com o desespero que havia tido no dia; lembrei-me da senhora e sua voz experiente e doce; encontrei o florista de voz paciente e serena; vi novamente a moça e sua narrativa encantada e bela; me diverti novamente com o teatro e toda alegria e felicidade que me passaram. Quando acordei, meu vocabulário antigo tinha retornado; mas as palavras que passei a usar eram novas. Foi quando percebi realmente que o que precisava era ter ouvido mais o mundo ao meu redor, ter sentido o calor e a bondade do ser humano mas, principalmente, aprendi que deveria ter dado chance a novos livros, histórias e pessoas.        

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