quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Crônica de um aniversário de criança

(Imagem meramente ilustrativa)

Sentado em um bar, ontem à noite, lembrei-me das festinhas de aniversário que frequentava quando criança. Isso lá nos anos 80 começo dos 90.

Acho que era diferente dessas festas de criança de hoje em dia, pois muito mudou de lá para cá. Íamos todos os amigos e colegas do aniversariante na casa dele para comemorar o seu dia. Antes do Parabéns prá você nos comportávamo - cada mãe arrumava seu filho da melhor maneira possível - então tínhamos que nos manter impecáveis para a hora do parabéns em volta da mesa e a tradicional foto com todos reunidos.

Naquele tempo não havia essa maravilha - meio duvidosa - que é a câmera digital, o que existia era uma máquina de filme com 12, 24 ou no máximo 36 poses. E era isso mesmo POSES. Não se tirava fotos individuais, tu tinha que estar com algum amigo ou em volta dos enfeites, porque não se poderia apagar as fotos na máquina, ah, não senhor! E eram caras. Por isso, como falei, antes dos parabéns a você ninguém poderia suar ou se sujar correndo e brincando nos pátios, para poder sair bem na foto.

Pois bem, lembrei também da mesa preparada com os doces, salgados e bebidas que ficava em frente a um fundo decorativo - isso deve existir ainda hoje em dia - e tudo ficava em cima da mesa. Repito: tu-do. Tudo mesmo. A mesa ficava forrada de cachorros-quentes, pastéizinhos, brigadeiros (conhecidos outrora por 'negrinhos'), olho-de-sogra, gelatinas nos copinhos e o bolo, lógico. Geralmente quem preparava tudo era a própria mãe do anfitrião, apenas o bolo era comprado na padaria - que hoje chama-se confeitaria. Para beber era servido a incomparável 'laranjinha' e aí que fica a referência do que me levou a pensar nas festinhas ontem à noite.

A laranjinha era um refrigerante que vinha numa garrafinha de, sei lá 150, 180 mls. Ela tinha o mesmo formato e cor das garrafas de cerveja de hoje. Dentro vinha um líquido doce, doce, mas doce, de laranja. Nós, crianças, tomávamos horrores disso aí. Era o que tinha, mas era muito bom. Antes dos parabéns ninguém tomava laranjinha, o perigo de algum de nós derrubar o suco na roupa era gigantesco. Entretanto depois de toda a formalidade atacávamos a mesa e a festa realmente começava.

Corríamos para cima e para baixo na casa, no pátio, na calçada, por todo lugar e, comumente, nos sujávamos muito e... Mas divago, outra hora escrevo mais detalhes disso.

O que quero contar é que o aniversariante geralmente tinha algum primo ou prima desconhecidos do resto dos convidados. Denominávamos eles 'de fora'. "Fulano, quem são aqueles dois guris ali no canto da mesa? Ah, esses são 'de fora'."

Pois bem, certa feita numa festa de uma vizinha havia dois primos da aniversariante. Um guri uns dois anos mais velho que o resto de nós e uma guria que era da mesma idade, talvez um ano mais nova que eu. Eles eram de fora. De uma cidade maior que a nossa, vinham da cidade grande, talvez Cruz Alta, ou Curitibanos, quem sabe do Paraná. E eles não se misturavam com os outros convidados. E a gente também não dava muita abertura, éramos crianças e, como tais, ciumentos com tudo. Foi quando o guri, que era um pouco mais velho que a gente, parou do meu lado, perto da mesa das guloseimas e pediu:

 '- Tiaaaa, quero um REFRI!'

Maldito seja esse pessoal da cidade grande!! Ora, refri. Laranjinha, LARANJINHA, LA-RAN-JI-NHA!!
Simples.
Esse cara tá se achando!

Chamei alguns amigos, contei o que se passou e já planejamos que na primeira oportunidade passaríamos uma 'tranca' nele. Seguiu-se a festa e eu só cuidando o mauricinho de nariz empinado. Fiquei com tanta raiva da superioridade dele que me esqueci de tudo a volta. Estava com um pastel meio mordido em uma das mãos e na outra estava a laranjinha com um canudinho. Ora mordia um ora sorvia um gole doutro, sem tirar os olhos do maldito-seja. Nisto vi um vulto se aproximando e desde o outro lado do pátio veio a guria, caminhando em minha direção.

O cabelo com duas maria-chiquinhas, vestidinho colorido, sandalinha nos pés e meia branca: linda! Travei. Ela parou próximo a mim e largou: '- Oi. Tu me dá um gole do teu refrÍ?' Assim mesmo, com I maiúsculo e acento. Quase desmaiei. Estendi o braço com o refri, ela colocou a mão na minha e sem tirar os olhos do canudinho tomou um gole. Me agradeceu e se foi saltitando pelo pátio.

Dois amigos, que não tinham visto o acontecido, pararam logo em seguida ao meu lado e começaram a falar que 'agora era a hora de derrubar o guri', 'um vai por um  lado e outro pelo outro', 'vamosvamosvamos'. Ainda com um pedaço do pastel na mão, tomei o último gole do REFRI, olhei para o guri - correndo no gramado, olhei para a guria - balançando os pezinhos num pequeno balanço e, suspirando, disse: '- Deixa ele, ele é de fora.'

Então ontem, escorado no balcão do bar vi a moça que atende se aproximando, lembrou-me da guria - não sei se foram os olhos, o sorriso, o jeitinho ou qualquer outra coisa -, ela me perguntou 'O que vai beber?' Sem pestanejar respondi: 'Uma laranjinha'. Ela surpreendeu-se e perguntou se queria um suco de laranja. Eu ri, meio sem jeito e disse que poderia ser um refri.

Realmente muito mudou de lá para cá.
 

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