"Qual o seu deus? O que ele pode fazer por você? Até que ponto a fervorosa religiosidade pode te influenciar?
Pois bem, essas acima, são questões delicadas, nem sempre respondidas, nem sei - na verdade - se há respostas, mas hoje vou contar algo que vi. Um fato. Isso eu presenciei.
Conheço há temos um senhor que reside no interior de minha cidade. Ele tem uma casinha boa de morar, umas galinhas soltas no pátio - que lhe provem ovos, uma vaca ou duas - que lhes fornece o leite diário, meia dúzia de porcos, uma horta, enfim, tudo que uma pequena propriedade agrícola familiar pode proporcionar. Residem com ele a esposa e três filhos, que trabalham dia após dia, juntos, na lida campeira.
Então. Esse meu amigo tinha como principal fonte de renda a produção e venda de aguardente de cana. Eles próprios colhiam a cana, faziam a moagem, coletavam o caldo-de-cana e faziam a destilação desse mesmo. A 'pinga' que eles fabricavam era uma das melhores e mais requisitada da região. Eles a traziam para a cidade e vendiam nos bares e mercados daqui. Em casa, eu a utilizava para a tradicional caipirinha de domingo e na preparação de alguma massa ou doce.
Aconteceu que essa família recebeu, certa tarde, a visita de um religioso que percorria o interior da cidade. Este os convenceu a participar de suas reuniões e a família tornou-se frequentadora habitual dos cultos religiosos. Um dia, este, disse para este meu amigo que ele deveria para de fabricar aguardente, pois esta era um mal que ele estava difundindo pela cidade; que ela era uma destruidora de lares, que era coisa do demônio e outras coisas mais.
Depois de quase 60 anos fabricando seu ganha pão, esse senhor parou de produzir cachaça. No entanto ele não sabia fazer mais nada. Tentou outras culturas e não teve sucesso em nenhuma. Perdeu algumas colheitas e começou a endividar-se. Não conseguia mais dar a volta. Um de seus filhos saiu a procura de emprego. Depois outro e o outro também. Agora eles saem de casa antes do dia clarear e retornam depois que o sol se põe, trabalhando em uma multinacional para ganhar um mísero salário.
Dias atrás reencontrei o meu amigo. Em oito meses ele envelheceu mais do que todos os outros anos em que o conheci. Sua fala está cansada, seus ralos cabelos esbraquiçaram de vez. Com a voz embargada e uma lágrima nos olhos contou-me essa história. Não tem mais esperanças em seu coração.
Indo para casa, ao final do dia, passei em frente aos bares da cidade. As pessoas continuam lá. Trocaram a boa aguardente desse nosso amigo por outra qualquer. Os doces, nas casas, serão feitos da mesma forma que antes. Foi então que minha mente viajou. Foi para junto daquele senhor, sentado na varanda de casa, o mato tomando conta do seu pátio e roça, sozinho, esperando a noite cair e aguardando o retorno dos filhos, os quais quase nunca os vê."
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